Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 2, maio/ago. 2023

Marc Ferrez: a fotografia como experiência | Dossiê temático

Acervos para os estudos visuais em um museu de história

Collections for visual studies in a history museum / Colecciones para estudios visuales en un museo de historia

Solange Ferraz de Lima

Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professora associada do Museu Paulista da USP, Brasil.

sflima@usp.br

Resumo

O artigo discute a presença da fotografia na nossa cultura visual de uma perspectiva que problematiza a preservação da cultura material em um museu de história, mobilizando exemplos de coleções e estudos de casos que tratam dos usos e funções sociais das fotografias. Procura-se evidenciar a importância de preservar conjuntos orgânicos de documentos que permitam abordagens múltiplas, capazes de responder ao complexo agenciamento da fotografia na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: museu de história, patrimônio fotográfico, coleções, retrato, fotografia.

Abstract

This paper discusses the presence of photography in our visual culture from a perspective that emphasizes the preservation of material culture in history museums, and works with some examples of collections and case studies which deal with the uses and social functions of photographs. It seeks to highlight the importance of preserving organic sets of documents that allow multiple approaches able to work with the complex agency of photography in contemporary society.

Keywords: museums of history, photographic heritage, collections, portrait, photography.

Resumen

El artículo aborda la presencia de la fotografía en nuestra cultura visual desde una perspectiva que problematiza la preservación de la cultura material en un museo de historia, trabajando con ejemplos de colecciones y estudios de caso que tratan de los usos y funciones sociales de las fotografías. Se busca resaltar la importancia de preservar conjuntos orgánicos de documentos que permitan múltiples aproximaciones capaces de dar respuesta a la compleja agencia de la fotografía en la sociedad contemporánea.

Palabras clave: museo de historia, patrimonio fotográfico, colecciones, retrato, fotografía.

A bem-vinda iniciativa deste dossiê dedicado a Marc Ferrez e sua vasta produção visual abre espaço para refletir sobre os legados materiais que podem ser mobilizados para o estudo da presença da fotografia nas múltiplas dimensões da sociedade. A intenção no presente artigo é evidenciar a importância de preservar conjuntos orgânicos1 de documentos que permitam abordagens múltiplas, capazes de responder ao complexo agenciamento da fotografia na sociedade contemporânea.

Em que medida a documentação gerada nos processos da produção e circulação (tais como notas fiscais, inventários de bens, livros-caixa, correspondências, notas de remessa etc.) pode lançar luzes sobre a esfera microeconômica dos empreendimentos fotográficos, a saber, as especificidades das redes comerciais, as condições de trabalho e produtivas?

A formação de séries tipológicas, temáticas e iconológicas que a documentação acumulada em instituições de guarda propicia, como etapa metodológica para os estudos visuais, é outro aspecto importante a ser considerado nas políticas de aquisição de acervos visuais, abrindo caminhos para o entendimento das maneiras pelas quais repertórios figurativos e formais são disseminados e apropriados em distintos circuitos e camadas socioeconômicas. Como retratos e paisagens produzidos amplamente no contexto de criação e manutenção de memórias individuais e coletivas alicerçadas pela materialidade veiculam e ressignificam repertórios formais presentes nas convenções estilísticas da cultura visual ocidental?

Na outra ponta, da recepção, quais materiais nos permitem uma aproximação com as formas de produção da memória e de vínculos engendrados pela fotografia e nos museus? E como registrar/documentar esse tipo de documentação de caráter vernacular2 e, por isso mesmo, muitas vezes carente de pistas sobre a produção (autorias, produtores) e o conteúdo (identificação de locais, pessoas etc.)?

São muitos os álbuns, livros manuscritos ilustrados, conjuntos de postais e retratos, entre tantos formatos e narrativas objetais, que trazem como sintomas o gesto de ressignificação, apropriação e as marcas do enredo particular dos indivíduos, transportados para espaços públicos de guarda. A prática do colecionismo, das iniciativas privadas e individuadas às públicas, como nos museus, é aquela que nos garante a preservação da cultura material protagonista dessa dimensão afetiva e ideológica.

O artigo trata dessas dimensões da presença da fotografia na nossa cultura visual – produção e comercialização, circuitos imagéticos, apropriações afetivas – de uma perspectiva que busca problematizar a preservação da cultura material como testemunha dos usos e funções sociais, mobilizando exemplos de coleções e estudos de casos.

Fotógrafos empreendedores: produzir e comercializar

A coleção do fotógrafo Militão Augusto de Azevedo (1835-1905), ator e fotógrafo carioca que se estabeleceu em São Paulo a partir de 1862, é ainda hoje, passados 27 anos de sua presença no Museu Paulista/USP,3 o maior acervo autoral da instituição. A aquisição representou um marco importante por concretizar a nova política de acervo implementada pelo Plano Diretor de 1990, orientada pelas linhas de pesquisa definidas a partir do campo da história e cultura material (Lima; Carvalho, 2022). A integração de conjuntos documentais orgânicos é um dos marcos dessa nova política de acervos, que tem também como uma de suas premissas a valorização dos suportes materiais capazes de dar elementos para conhecer e problematizar, por exemplo, circuitos de produção e consumo. Ou seja, procura-se evitar, especificamente no caso do patrimônio fotográfico, aquisições de peças únicas balizadas exclusivamente por valores estéticos e de antiguidade. A coleção Militão Augusto de Azevedo permitiu consolidar esse caminho como preferencial, e tem pautado as pesquisas de campo para a ampliação do acervo desde então.

A coleção Militão é valiosa não só pelo impressionante registro da diversidade de retratados em poses tipificadas pela retratística oitocentista. Ela é valiosa, também, por permitir entender as condições de produção e o circuito comercial construído pelo fotógrafo, graças às correspondências trocadas com comerciantes – donos de bazares, livrarias – e produtores que abasteciam o seu laboratório, e ao seu inventário pós-morte. Além disso, os álbuns em que Militão acondicionava as cópias dos negativos produzidos são exemplares das formas de arranjo estético dispensado ao que seria um misto de inventário de controle de seus clientes (os retratos são numerados, sugerindo alguma correspondência com negativos ou livro de controle) e mostruário de poses e cenários.

Por tais características, essa coleção vem alimentando estudos que abordam distintos aspectos da trajetória do fotógrafo no contexto da prática fotográfica de estúdios comerciais oitocentistas. O pioneiro estudo de Boris Kossoy (1978), que já explorava a riqueza do livro copiador, foi seguido por pesquisas como a de Grangeiro (2000) que, tendo como ponto de partida a lista de produtos, utensílios e equipamentos arrolados como bens do fotógrafo, traça um panorama da empresa fotográfica na cidade de São Paulo, em momento de sua primeira grande expansão urbana. A modernização engendrada por essa expansão urbana foi o fio condutor para o olhar antropológico sobre a prática de Militão Augusto de Azevedo, que resultou na dissertação transformada em livro de Íris Araújo (2006, 2010). A rede de relações sociais tecida pelo fotógrafo, que o seu livro copiador de cartas permitiu acessar, foi mobilizada por Araújo para entender as suas percepções sobre o moderno em uma cidade distante da corte. A autora percorre um caminho metodológico pavimentado por Ginzburg (1987), Norbert Elias (1995) e Martins (1992) para analisar as conexões entre as percepções pessoais de Militão Augusto, seu repertório, e o momento político e social da cidade. Seu olhar para as redes de sociabilidade isola alguns temas e escrutina as relações comerciais mediadas por esse artefato moderno:

Por isso, verificar a maneira com que estas relações se constituíram – mediadas, justamente, pelas fotografias – é parte dessa pesquisa, pois são elas que dão subsídio para verificar de que posição e para quem Militão explicitou suas opiniões acerca das novas situações que, em sua época, se faziam candentes e que tanto o tocaram. (Araújo, 2006, p. 16)

Outra presença no livro copiador são as atividades teatrais, presentes nas cartas endereçadas a Jacintho Heller, dono da Companhia de Teatro Phênix e amigo de Militão. É nelas que Militão comenta a vida cultural de São Paulo, ao tentar convencer o amigo a fazer uma curta temporada entre o Carnaval e a Semana Santa (Araújo, 2006, p. 43).

Mais recentemente, e em outro registro, explorando de forma vertical o uso de negativos de vidro, Roger Sassaki (2021) aborda o mesmo livro copiador para refazer a produção fotográfica das paisagens paulistanas de Militão experimentando as fórmulas e materiais do estúdio oitocentista. O autor fez uso da transcrição realizada por Íris Araújo, disponível no acervo do Museu Paulista. A partir de um diário de campo contemporâneo, Sassaki expõe os desafios da técnica do colódio úmido, e ensaia soluções próprias para as dificuldades em encontrar papéis e químicos, traçando um paralelo com as dificuldades semelhantes vividas por Militão e relatadas em cartas e diários.

Em seu mestrado, o autor recupera outras informações das cartas copiadas. Por exemplo, que Militão, além de fotógrafo, era também revendedor de produtos químicos e comercializava o colódio que ele mesmo fazia, além de vernizes (Sassaki, 2021, p. 15). As cartas trazem listas de materiais, propostas de vendas, reclamações e estratégias comerciais. Além das cartas, Sassaki cotejou a prática do fotógrafo com os manuais de fotografia do período, especialmente aquele cuja tradução foi objeto de um projeto iniciado e não concluído por Militão,4 que serviram como parâmetros para balizar a cultura técnica disponível. O resultado é um convite para entender a produção e o circuito comercial de uma perspectiva da ação concreta, que considera as adaptações e as pequenas inovações promovidas para superar as dificuldades de escassez de materiais, por exemplo. O que ambas as pesquisas nos trazem é a possibilidade de entender as especificidades da presença da fotografia fora dos centros europeus.

As três abordagens, oriundas de áreas acadêmicas distintas – história, antropologia e fotografia –, mas mobilizando a mesma documentação, são aqui tratadas como exemplos para frisar a importância da preservação de documentos capazes de iluminar os processos de produção e as redes e circuitos comerciais naquilo que eles melhor podem ser explorados, para contar uma história própria da formação da cultura fotográfica, sem considerá-la uma simples transposição transatlântica ancorada por manuais estrangeiros.

Uma referência importante para essa abordagem do patrimônio fotográfico, que foi uma de nossas balizas no processo de curadoria da coleção Militão Augusto de Azevedo, foi o tratamento dispensado à coleção Família Beck, que reúne documentos textuais, fotográficos e objetos relativos à atuação de Carlos Beck, imigrante alemão que se estabeleceu em fins do século XIX na cidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul. A coleção foi adquirida em meados da década de 1980 pelo Museu Antropológico Diretor Pestana, vinculado ao Centro de Pesquisa da Faculdade de Filosofia de Ijuí. O tratamento arquivístico dispensado à coleção já indicava preocupação que viria a ser também a nossa, uma década depois. Os documentos administrativos – livros de controle administrativo, correspondências, entre outros – permitiam o acesso aos contextos de produção e ao circuito comercial no sul do país e no interior de uma comunidade imigrante, fornecendo o arcabouço para o entendimento do alcance geográfico da agência fotográfica (Canabarro, 2011).

Outro ponto importante a ser ressaltado é a vinculação dessas ações de preservação do patrimônio fotográfico com a universidade. Em artigo publicado em 1994 nos Anais do Museu Paulista, tivemos a oportunidade de divulgar um balanço bibliográfico sobre as pesquisas em torno da fotografia no Brasil (Carvalho; Lima et al., 1994). Naquela ocasião, já apontávamos uma tendência de crescimento de dissertações e teses que mobilizavam, em um abrangente leque de temas e metodologias, as fontes fotográficas. O que ficou muito evidente a partir do século XXI foi não só essa tendência, que segue sendo expressiva no campo das ciências humanas, mas o crescente interesse também pelas práticas curatoriais de preservação e difusão do patrimônio fotográfico. O caso da coleção Beck, valorizado como conjunto orgânico e explorado por docentes, pós-graduandos e graduandos em projetos institucionais de universidades, que na década de 1980 configurava uma exceção, tornou-se mais corrente na última década.

No seminário Aos Milhares: desafios da curadoria de grandes acervos fotográficos, organizado pelo Instituto Moreira Salles, Museu Paulista (Universidade de São Paulo ‒ USP) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2020,5 por ocasião da abertura da exposição sobre Peter Scheier (curadoria de Heloisa Espada), pudemos trazer para a discussão estudos de casos que guardam esse perfil, já no contexto da produção fotográfica massiva de meados do século XX. O evento logrou demonstrar, extrapolando o eixo Rio-São Paulo, essa frutífera colaboração entre universidade e instituições públicas municipais ou estaduais. A curadoria do fundo Foto Bianchi é um exemplo: há quase dez anos a historiadora, fotógrafa e docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Patrícia Camera, desenvolve ações de conservação, catalogação e pesquisa, qualificando o acervo de mais de quarenta mil negativos de vidro e acetato do estúdio de Luís Bianchi. Integram o acervo preciosos cadernos de campo e outros documentos que registram a prática cotidiana de três gerações da família Bianchi à frente do estudo fotográfico, hoje preservados na Casa de Memória de Ponta Grossa. Trata-se de um processo contínuo de formação de graduandos e pós-graduandos respaldado pelas premissas de uma abordagem que considera a organicidade do arquivo do fotógrafo, capaz de subsidiar pesquisas sobre os usos dos negativos de vidro (Camera; Lima, 2018).

Abordagem semelhante pode ser vista no processo de tratamento da coleção de Alois Feichtenberger (1908-1986), que hoje integra o Museu da Imagem e do Som de Goiás (MIS-GO). O legado do fotógrafo alemão foi adquirido para o MIS-GO em 2006, passando a constituir um arquivo pessoal expressivo de suas atividades – são milhares de negativos, diapositivos, ampliações, além de diários, documentos pessoas, biblioteca e hemeroteca. A preservação e o inventário do acervo foram financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ‒ BNDES (2007-2010), por meio de projeto que reuniu uma equipe multidisciplinar de profissionais das áreas da museologia, arquivologia, biblioteconomia, conservação e história (Talarico, 2014). A trajetória e musealização do acervo tornou-se tema da tese de doutorado de Guilherme Talarico (2018).

Da coluna grega ao poste urbano: séries tipológicas e as estratégias visuais de representação de si

Outra premissa que estrutura a política de aquisição de acervos fotográficos do Museu Paulista da USP é a formação de séries tipológicas de retratos e paisagens urbanas. Quando a coleção Militão foi adquirida, o museu já contava com um expressivo acervo de retratos produzidos em variadas técnicas, mas com destaque para as pinturas e fotografias. E as aquisições continuaram ao longo dos últimos trinta anos. Hoje, o acervo contempla cerca de duas dezenas de milhares de retratos abrangendo técnicas variadas – fotografia, pintura, gravura, reproduções impressas, desenhos – em um arco temporal de 160 anos (1850-2010). Ainda que isolemos apenas os retratos fotográficos (e suas variações de reproduções impressas), contabilizando não só os retratos de fotógrafos profissionais, mas também a produção vernacular, o universo continua muito representativo da prática de se retratar na contemporaneidade. O investimento nessa tipologia de produção, entre a abordagem profissional e a vernacular, resultou em uma diversidade que oferece potencial para discutir o que mudou e o que permaneceu nas estratégias formais e materiais da fatura do retrato, entendido como “imagem ficcional” (Fabris, 2004, p. 11) ou como ato teatral (Silva, 2008, p. 29), ao longo do tempo e em um espectro social que extrapola as elites sociais e econômicas.

Para exemplificar o potencial de preservação do patrimônio fotográfico orientada também por essa premissa de formação de séries tipológicas, compartilho aqui as primeiras e ainda provisórias incursões de análise formal de um conjunto iconográfico recentemente incorporado ao acervo do Museu Paulista. Trata-se de um álbum de família que integra o arquivo Nery Rezende, doado ao museu em 2022 e que representa, hoje, o maior arquivo pessoal da instituição, reunindo mais de nove mil itens entre cadernos, correspondências, impressos variados, notas fiscais, receitas, fotografias, negativos, álbuns fotográficos, além de objetos pessoais e do espaço doméstico (louças, decorações de Natal, adornos pessoais, equipamentos eletrodomésticos).

O arquivo Nery Rezende atende a todas as premissas da política de aquisição, mas uma em especial merece ser destacada, na medida em que representa uma inflexão qualitativa (e quantitativa!) importante na visão perseguida pelas equipes curatoriais do museu – tornar o acervo mais inclusivo e representativo da sociedade brasileira. Trata-se de uma inflexão importante se considerarmos a trajetória de cem anos de acumulação de coleções e documentos quase que exclusivamente oriundos das camadas mais abastadas da sociedade e que apenas ao longo da década de 1990 começou a se modificar, graças à referida política de aquisição definida no Plano Diretor. É o primeiro arquivo pessoal de uma mulher preta, trabalhadora da indústria e do comércio, militante de movimentos sociais e que viveu e trabalhou em São Paulo, tornando sua vida integrada ao intenso processo de metropolização ocorrido nas décadas de 1950 e 1960. O arquivo contempla também um dossiê que reúne a documentação acumulada por Nery relativa a sua irmã, falecida precocemente, Alice Rezende, atriz do teatro negro de São Paulo dirigido por Abdias do Nascimento.6

A doação do arquivo foi feita por sua filha, Greissy Rezende, e mediada pelo antropólogo e educador Alexandre Bispo, que estudou a vida e o processo de acumulação documental de Nery Rezende em sua tese de doutorado, defendida em 2018. A trajetória de Nery Rezende (1930-2012), especialmente nos primeiros anos de sua vida, é semelhante à de muitos brasileiros marcados pela desigualdade social e econômica. São conhecidas as muitas histórias de famílias numerosas cujos filhos e filhas são criados por madrinhas ou outras famílias. Ou jovens de 13 anos que são destinadas ao trabalho doméstico como babás, faxineiras, ajudantes de cozinha. Nery cumpriu essas primeiras etapas, mas rompeu esse ciclo quando completou 18 anos, ao sair da casa onde trabalhava na condição ambígua de comadre e afilhada, mas exercendo as funções de babá. Nery passou a morar com a mãe e a irmã no bairro da Bela Vista, no centro de São Paulo. Tornou-se operária das Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo (Bispo, 2018, p. 50) e é nesse momento que tem início sua preocupação em acumular documentos de sua vida na metrópole:

Foi porque começou a trabalhar remuneradamente que ela pôde, ao lado da mãe e da irmã, ter um endereço próprio. Contribuir com seu salário de operária na manutenção da vida doméstica foi fundamental para afirmação dessa nova Nery que, como Alice, gostava de rádio, de revistas impressas, de teatro, cinema e fotografia, práticas culturais e de lazer que se revelariam decisivas nos rumos tomados por sua vida, pois o que hoje chamo de arquivo Nery Rezende foi gestado nessa passagem do viver de favor para o viver livre de amarras e dependências da família de criação na cidade. É não por acaso aí, na passagem da década de 1940 para 1950, que ela própria vai retendo os testemunhos que pode sobre si, sua mãe, sua irmã, seus parentes e amigos, o que termina por evidenciar as maneiras que ela (elas) encontrou de constituir um self e de se inscrever e se integrar ao mundo e à cidade; por isso mesmo em alguns momentos é tão importante anotar o nome próprio em revistas da cultura de massas nascentes que vão se consolidando nesse momento (Almeida, 1997; Ortiz, 2006; Arruda, 2015). (Bispo, 2018, p. 50)

É acertada a hipótese que Bispo levanta para entender as motivações do processo de acumulação de Nery, que resultou em milhares de documentos integrados ao acervo do museu documentando não só a sua vida na cidade, mas também as vidas daqueles que faziam parte de sua rede de família extensa e de apoio.

O conjunto de documentos chegou ao museu em bom estado de conservação e já contava com um primeiro arranjo de classificação arquivística, elaborado por Bispo com a ajuda de Greissy Rezende e de uma pequena equipe que o acompanhou ao longo da pesquisa de doutorado. Mais uma vez, vale apontar como está se tornando cada vez mais corrente o engajamento de pós-graduandos com a preservação do patrimônio, imbricando coleta, tratamento documental e pesquisa acadêmica. E, para as equipes do museu, é simbólica a integração desse arquivo quando das comemorações do bicentenário da Independência.

O arquivo Nery já está disponível para que outras pesquisas se somem à de Alexandre Bispo, e certamente despertará a atenção de pesquisadoras e pesquisadores dos campos da história, antropologia, sociologia, museologia. Com o intuito de explorar o potencial desse tipo de acervo e para compreender as atualizações dos padrões e convenções da retratística fotográfica ao longo do século XX, apresento um exercício de leitura de uma pequena série de retratos que integra o álbum de família organizado por Nery Rezende.

O “álbum verde” foi o primeiro documento apresentado ao antropólogo Alexandre Bispo quando visitou Greissy para conhecer o arquivo. Ele relata: “A minha primeira e maior surpresa diante desse álbum foi ver tantas pessoas negras nas fotos e, mais ainda, em fotografias dispostas no interior de um álbum convencionalmente estruturado para exibi-las” (Bispo, 2018, p. 20). O pesquisador, que havia estudado uma coleção de fotografias de uma mulher branca e trabalhadora também moradora de São Paulo (Mapas Fotográficos: memória familiar, sociabilidade e transformações urbanas em São Paulo (1920-1960), 2012), interessou-se inicialmente pelo material fotográfico, até entender que ele era uma parte (pequena) do enorme conjunto acumulado por Nery.



Figura 1 ‒ Capa e contracapa do álbum Fotografias. Reprodução José Rosael. Arquivo Nery Rezende/Museu Paulista (USP)


O álbum, no formato paisagem, com folhas de papel-cartão e encadernação unida por cordões, traz capa em material verde texturizado e cintilante com costuras aparentes nas bordas e contracapa em material imitando couro, verde-escuro e sem costuras. Na parte interna, o arranjo combina fotografias de dimensões e cromias variadas, próprio de álbuns montados no decurso da vida. Suas características o aproximam muito dos álbuns típicos de famílias, como aqueles analisados pelo sociólogo Armando Silva (2008) em sua pesquisa sociológica sobre álbuns fotográficos (180 álbuns pesquisados) realizada com famílias em três cidades da Colômbia – Bogotá, Medellin e Santa Marta – e uma dos Estados Unidos – Nova Iorque (dada a expressiva comunidade de imigrantes colombianos na cidade).

Para além das características mais recorrentes, Bispo observa e relata seu espanto ao se deparar com um álbum cuja maioria dos retratados é preta e aponta a razão: “Isso porque, ensina Miriam Moreira Leite, a prática de organização da memória fotográfica por meio de alguns esteve restrita às camadas sociais enriquecidas até as primeiras décadas do século XX (1993, p. 75)”. Essa percepção tem seu fundamento, mas outra hipótese é considerar que assim acontece não porque famílias pretas não produzissem seus álbuns, mas porque eles não chegaram aos museus e arquivos e nem configuraram, de maneira mais expressiva, objetos de pesquisas antropológicas. Os álbuns de família dependem, é claro, das condições econômicas, mas também da estabilidade das redes familiares para a criação de espaços para tecer memórias e processos identitários por meio dos suportes materiais e, nesse mesmo diapasão, dependem das redes ampliadas que podem concorrer para destinar tais documentos aos museus ou a outras instituições de guarda.7

De um modo geral, o álbum de Nery Rezende apresenta as recorrências consagradas – ritos de passagem (identificados por fotografias de grupo, ambiente doméstico festivo), viagens e retratos com dedicatórias. Uma diferença singulariza o álbum entre aqueles coletados e preservados pelo museu – a presença de imagens de ambientes de trabalho, como interiores de uma loja e de um armazém. E é a partir dessa especificidade que proponho um breve exercício de análise.

O álbum reúne cerca de 180 retratos. Não há paisagens. Nas fotografias externas, cidades, praias, jardins e quintais funcionam como o fundo que emoldura o retratado, semelhante aos painéis dos estúdios fotográficos, e aqui já é possível fazer a primeira aproximação com os padrões oitocentistas, ponto de partida para esse exercício sobre as apropriações das convenções da retratística.

A migração de convenções entre circuitos artísticos, configurando padrões formais abrangentes capazes de atualizar sentidos e valores, foi uma das questões que pudemos tratar a partir da vasta série de retratos da coleção Militão Augusto de Azevedo, na curadoria desenvolvida em conjunto com Vânia Carneiro de Carvalho. A análise quantitativa, feita com base em descritores adotados para enumerar os elementos do cenário e os gestos das poses dos retratos catalogados no repositório digital do Museu Paulista, permitiu controlar as diferenças de gênero na apresentação dos corpos e as recorrências de elementos cenográficos e de gestos nos retratos individuais, de duplas, geracionais e de grupos. Os padrões foram considerados a partir das recorrências observadas, em diálogo com a bibliografia dedicada às formas de representação do indivíduo, especialmente aquela que discute as estratégias formais e seus suportes materiais como Mauad (1990), Bruneau (1982), Pointon (1993), Brilliant (1991), Fabris (1993) e Moura (1983). Entre as referências formais, identificamos o processo de ressignificação das convenções oriundas da retratística do século XVIII, especialmente dos elementos cenográficos inspirados na arquitetura clássica como balaustradas, colunas e pedestais:

A presença da ornamentação clássica remete a uma associação cultivada pela aristocracia europeia que a faz equivaler às noções de requinte e bom gosto. Esvaziados daqueles sentidos específicos que motivaram a composição nas pinturas dos nobres participantes do Grand Tour, esses ornamentos permanecem como significantes (elementos plásticos, formas) na composição do retrato fotográfico, cumprindo, no entanto, outras funções e sendo ressignificados por novas práticas urbanas e grupos sociais burgueses em ascensão – distinção entre trabalho manual e intelectual, introdução ao mundo cosmopolita e moderno, elegância etc. (Carvalho; Lima, 1997, p. 62)

Foi surpreendente identificar como esses recursos formais puderam sobreviver em contextos distantes no tempo e no tipo de prática fotográfica, não mais restrita ao estúdio e nem ao fotógrafo profissional. No álbum organizado por Nery Rezende, que conta com muitas fotografias talvez de sua própria autoria, uma série se destaca por eleger um poste (situado na avenida São João) como elemento cenográfico que estrutura o arranjo formal dos retratos. O poste ficava em frente à loja Capri, em que Nery trabalhou, primeiro como balconista e depois como gerente, por mais de dez anos (Bispo, 2018, p. 90). Os retratos de corpo inteiro com o mesmo cenário, um estúdio a céu aberto, ocupam várias páginas do álbum, indicando uma forma sistemática de registrar amigas e amigos (colegas de trabalho?). Nery parece inaugurar a série “pose com poste”, a única em formato horizontal, em que o poste aparece à esquerda. Como elemento estruturador do quadro fotográfico, o poste cumpre função semelhante à das cenografias, como colunas e pedestais, tão recorrentes no estúdio oitocentista.


Figura 2 ‒ Nery Rezende e poste na avenida São João. Sem autoria, década de 1950. Reprodução José Rosael. Arquivo Nery Rezende/Museu Paulista (USP)


Nas páginas seguintes do álbum, a calçada e o poste tornam-se a síntese do estúdio, em que Nery se faz presente sozinha ou com colegas. Apenas três imagens usam como fundo a loja em que ela trabalhava. O conjunto poderia facilmente ser caracterizado como ensaio fotográfico, que atualiza o repertório de convenções para o cenário da metrópole paulistana de meados da década de 1950. A opção pelo cenário urbano não seria mais uma maneira de Nery de se inscrever na cidade, de ser parte dessa sociedade moderna de consumo, em movimento semelhante à sua prática arquivadora, tal como definida por Alexandre Bispo?

A atualização formal promovida nesse “ensaio”, por sua vez, pressupõe conhecimento de um repertório plástico, mas em qual contexto? Outras fotografias de família do século XIX? E com quais sentidos? Certamente outros sentidos, muito distintos daqueles que orientaram as escolhas cenográficas nos estúdios oitocentistas (a construção da imagem pública do burguês, para a qual os elementos clássicos indicavam bom gosto e dignidade). Seria possível pensar em uma espécie de citação crítica premeditada por parte de Nery Rezende?

Essa pergunta não é fora de contexto, se considerarmos o envolvimento de Nery Rezende (e de sua irmã, Alice Rezende) com o teatro. Ambas integravam, no mesmo período da produção dos retratos, a companhia Teatro Experimental do Negro, de Abdias do Nascimento, em sua vertente paulista. São especulações para as quais talvez nunca encontremos respostas. Mas as séries tipológicas possíveis de serem recortadas em acervos massivos, no entanto, permitem fomentar estudos na direção desse breve exercício.


Figura 3 ‒ Página do álbum Fotografias. Nery Rezende e anônimos, década de 1950. Reprodução José Rosael. Arquivo Nery Rezende/Museu Paulista (USP)




Figura 4 ‒ Retratos integrantes do álbum Fotografias. Nery Rezende e anônimos, década de 1950. Reprodução José Rosael. Arquivo Nery Rezende/Museu Paulista (USP)



Figura 5 ‒ Página do álbum Fotografias. Nery Rezende e anônimos, década de 1950. Reprodução José Rosael. Arquivo Nery Rezende/Museu Paulista (USP)



Figura 6 ‒ Página do álbum Fotografias. Nery Rezende e anônimos, década de 1950. Reprodução José Rosael. Arquivo Nery Rezende/Museu Paulista (USP)


Nos exemplos de coleção e arquivo aqui tratados pudemos evidenciar como o potencial para os estudos visuais está vinculado ao modo de tratamento e à política de aquisição implementada no Museu Paulista. Mas um dos aspectos da curadoria em museus de história que ainda nos desafia é como registrar a mediação dos processos de transcendência de objetos (tridimensionais ou bidimensionais) dos espaços privados em que foram consumidos, usados, significados, para o espaço público institucional. Embora possamos nos pautar pelas premissas da política de aquisição definida institucionalmente, ainda carecemos de protocolos capazes de garantir aos futuros pesquisadores explorar também a musealização nessa microdimensão dos contatos pessoais, das redes que o próprio museu cria e as formas pelas quais ele é vetor que provoca o movimento e o desejo de fazer parte da história, por meio da doação de documentos íntimos e carregados de carga afetiva. E esse aspecto é particularmente importante de ser considerado no caso de documentos fotográficos de caráter vernacular, muitos deles desprovidos de informações que permitam registrar conteúdos iconológicos e os seus contextos de produção e circulação. É um desafio que exige prontidão da equipe que acolhe a documentação para registrar as marcas afetivas capazes de fornecer pistas sobre os usos sociais, as expectativas em relação à instituição, e até mesmo os sentidos políticos do ato de incorporação museal.

No caso do arquivo Nery Rezende, por exemplo, havia um desejo, manifesto pelo mediador do processo, Alexandre Bispo, de explicitar o significado político da aquisição de um arquivo de uma mulher preta, marcada pelo racismo e pela desigualdade social. Um ato de militância, a partir do qual o museu, ao aceitar a doação, também se posiciona. Como evidenciar essa condição no processo de musealização e na difusão do arquivo, para os pesquisadores que dele farão uso?

Já no caso da coleção Militão, a família e os pesquisadores que conheciam a documentação esperavam o reconhecimento do fotógrafo, a sua plena integração à história, legitimada por um museu. E estavam atentos ao investimento dispensado à coleção, pois este era o índice dessa valoração.

Os exemplos são muitos, e os perfis de doadores também. Na coletânea sobre museus organizada por Figueiredo e Vidal (2005), tivemos a oportunidade de discutir esse desafio tomando como exemplos processos de doações, com atenção às motivações de doadores ao selecionar objetos, papéis e imagens para oferecer a um museu de história (Lima; Carvalho, 2005). Analisamos casos exemplares que apontavam a fecundidade e complexidade desse fenômeno específico, de promoção de objetos da esfera privada da vida para a esfera pública e, principalmente, a necessidade de documentar as suas motivações. A relação entre museu e colecionadores privados foi objeto de um seminário, iniciativa do Museu Histórico Nacional, que foi transformado em livro (Magalhães; Bezerra, 2012), no qual uma seção específica (De colecionadores) reúne reflexões acerca das motivações em torno das práticas colecionistas, que remontam séculos, mas que guardam sempre suas especificidades históricas (p. 10).

No processo de mediação entre a instituição e os doadores, historicizar a coleta e compreender as motivações dos processos de doações e/ou de venda de objetos, imagens e documentos textuais para instituições de guarda, seguimos buscando meios capazes de informar sobre essas práticas, pois é assim que os conjuntos musealizados passam a ser testemunhos também de seu tempo de nascimento como patrimônio público. Foi nesse contexto que a historiadora Ana Carolina Maciel desenvolveu um pós-doutorado no Museu Paulista, que resultou na produção de três documentários (disponíveis no Labhoi/UFF, RJ)8 que registram, da perspectiva dos doadores, a carga afetiva e emocional envolvida no processo de doação. As coisas materiais importam e são implicadas na vida social; o momento da coleta é precioso para entender essa dimensão de valor.

Já não podemos mais pensar os usos e as funções sociais das imagens fotográficas sem levar em conta, de um lado, como se constitui esse legado material de mais de um século e, de outro, os agenciamentos afetivos que enredam histórias de indivíduos e dos museus centenários.

Referências

ARAÚJO, Íris Moraes. Militão Augusto de Azevedo: fotografia, história e antropologia. São Paulo: Alameda, 2010.

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Recebido em 4/11/2022

Aprovado em 2/5/2023


Notas

1 Conjunto orgânico de documentos remete, aqui, aos princípios da arquivística, especialmente aquele da proveniência. No Museu Paulista, esses princípios são adotados no tratamento descritivo de fundos e coleções, tanto para o arquivo institucional (fundos Museu Paulista e Museu Republicano) como para os conjuntos doados ou adquiridos por compra. É essa perspectiva que define, por exemplo, o nome da coleção ou arquivo, orienta o seu histórico

(registrado na catalogação), bem como as notações que permitem a recuperação digital do conjunto.

2 O termo vernacular é adotado aqui a partir da conceituação proposta por Geoffrey Batchen em Each wild idea (2002, p. 56-82). Batchen define fotografia vernacular a partir de uma provocação para uma reflexão crítica sobre a história da fotografia única e pautada pelas categorias técnicas, de obra, artista e fortuna crítica. Vernaculares são “ordinary photographs, the ones made or bought (or sometimes bought and then made over) by everyday folk from 1839 until now, the photographs that preoccupy the home and the heart but rarely the museum or the academy” (p. 56).

3 A coleção Militão Augusto de Azevedo reúne 12.300 fotografias (entre paisagens e retratos, com predominância deste último gênero), livro copiador de cartas, diário e livros. Foi objeto de uma doação patrocinada pela Fundação Roberto Marinho e TV Globo em 1996, a partir da mediação do pesquisador Carlos Eugênio Marcondes de Moura entre a direção do Museu Paulista (gestão de Ulpiano T. B. de Meneses) e a família. A curadoria da coleção foi desenvolvida por mim e Vânia Carneiro de Carvalho.

4 A coleção preserva manuscrito incompleto da tradução do manual de autoria de Alphonse Liebert, La photographie en Amérique: traité complet the photographie pratique. Paris, Lieber Libraire-Éditeur, 1864.

5 Aos Milhares: desafios da curadoria de grandes acervos fotográficos. Organização de Heloisa Espada, Iara Schiavinatto, Solange Ferraz de Lima. Programação: Curadoria digital e memória LGBTI+: os impactos da digitalização nos acervos dos movimentos sociais do Arquivo Edgard Leuenroth, por Aldair Rodrigues (Arquivo Edgard Leuenroth, Unicamp, SP); Curadoria do Fundo Foto Bianchi: organização, conservação e tratamento documental de negativos de gelatina e prata sobre suporte de vidro, por Patricia Camera (fundo Foto Bianchi, PR); Uma curadoria em grande escala: desafios e delícias da gestão de acervos fotográficos, por Aline Lopes de Lacerda (Fundação Oswaldo Cruz, RJ); O fundo Última Hora do Arquivo Público do Estado de São Paulo: produção, acumulação e circulação de um arquivo de imprensa, por Bruno Roma (Arquivo Público do Estado de São Paulo, SP); Acervo Alois Feichtenberger no Museu da Imagem e do Som de Goiás, por Guilherme Talarico (MIS-GO); A coleção Militão Augusto de Azevedo e o processo de qualificação das equipes no Museu Paulista da USP, por Solange Ferraz de Lima (Museu Paulista, USP, SP). Disponível em: https://ims.com.br/eventos/seminario-aos-milhares-desafios-da-curadoria-de-grandes-acervos-fotograficos-2020/.

6 Abdias do Nascimento (1914-2011) foi escritor, artista plástico e dramaturgo que atuou na confluência de propostas artísticas e na militância do movimento negro. A companhia Teatro Experimental do Negro atuou por mais de vinte anos, principalmente no Rio de Janeiro, mas também em São Paulo. As irmãs Alice e Nery Rezende participaram da companhia. Nery não deu continuidade e Alice morreu prematuramente.

7 A postura ativa das instituições de guarda é igualmente importante, e pode ser o caminho para ativar redes de interesse, por meio de projetos orientados por uma política de aquisição. No Museu Paulista, ao longo da década de 2000, foi possível identificar um movimento nesse sentido, fruto da divulgação da política de aquisição e de doações que afirmavam o perfil desejado para as coleções.

8 Ana Carolina Maciel. Cultura material, percursos autobiográficos: entrevistas com doadores do Museu Paulista da USP. Supervisão: Cecília Helena de Salles Oliveira. Museu Paulista da USP, 2010-2014. Apoio Fapesp. O pós-doutorado resultou, entre outros produtos, em três documentários: Herança, legado material e memória: imagine um mundo sem rótulos (coleção Egydio Colombo); Edmea, Beth e Edith Jafet; Catarina, Ina, China.



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