Acervo, Rio de Janeiro, v. 36, n. 1, jan./abr. 2023

Espaços urbanos e metropolização no Brasil (1940-1970) | Dossiê temático

O centenário paranaense e a indução do processo de metropolização em Curitiba

The centenary of Paraná state and the induction of the process of metropolization in Curitiba / El centenario del estado de Paraná y la inducción del proceso de metropolización em Curitiba

Lucas Ricardo Cestaro

Doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil.

lucas_cestaro@uol.com.br

Resumo

Em 1965, a cidade de Curitiba se projeta frente às iniciativas de planejamento urbano no Brasil. A indução da metropolização pode ser constatada a partir das obras realizadas na capital no centenário do Paraná, em 1953. Neste artigo analisa-se a implantação dessas obras e sua contribuição para o processo de metropolização em Curitiba, ocorrido nos anos 1960 e 1970.

Palavras-chave: Curitiba; modernização; metropolização; arquitetura moderna.

Abstract

In 1965 the city of Curitiba is projected as a leader of urban planning initiatives in Brazil. On the other hand, the induction of metropolization can be verified from the projects implemented in the capital in the centenary of Paraná, in 1953. This article analyzes the implementation of these works and their contribution to the metropolization process in Curitiba, which occurred in the 1960s and 1970s.

Keywords: Curitiba; modernization; metropolization; modern architecture.

Resumen

En 1965 la ciudad de Curitiba se proyecta en relación a otras iniciativas de planificación urbana en Brasil. Por otro lado, la inducción de la metropolización se puede verificar a partir de las obras implementadas en la capital en el centenario de Paraná, en 1953. Este artículo analiza la implementación de estas obras y su contribución al proceso de metropolización en Curitiba, que ocurrió en las décadas de 1960 y 1970.

Palabras clave: Curitiba; modernización; metropolización; arquitectura moderna.

Introdução

O objetivo deste artigo é contribuir com o debate sobre o processo de metropolização da capital paranaense, reconhecida formalmente como região metropolitana em 1973, forjado com base na modernização da cidade, que retroage aos anos de 1940. Enquanto a modernização da cidade é baseada em obras de melhoramentos, implementação de infraestrutura e do plano urbanístico de 1943, a imagem de Curitiba como metrópole é reforçada a partir das obras realizadas pelo governo estadual para celebrar o centenário de emancipação política do Paraná, em 1953. Essas obras urbanísticas abriram espaço para a implantação de projetos de edifícios modernistas, que possibilitaram a inserção de Curitiba junto às demais capitais que disseminavam a arquitetura moderna e discutiam a metropolização.

Nos anos de 1970, período em que o Brasil institucionalizou as regiões metropolitanas, através da lei complementar n. 14, de 1973, e criou as primeiras sete regiões do país, a cidade de Curitiba se projetou no imaginário popular como exitosa experiência de planejamento urbano. Essa projeção se deu no auge do governo militar e com o peso dado ao discurso tecnocrático, que excluiu os cidadãos dos processos decisórios, e deve-se em parte à própria ação estatal, que em 1974, através do Ministério do Interior, encomendou uma pesquisa ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) para verificar como uma proposta urbanística pôde ser implementada com sucesso, a partir do plano diretor de 1966 e da criação do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). Além disso, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) indicou no mesmo ano a administração do prefeito Jaime Lerner (1971-1974) como a melhor do Brasil, legitimando a imagem da cidade como modelo.

Entre as pesquisas que tratam da experiência curitibana de planejamento, destacam-se trabalhos de Garcia (1997), Oliveira (2000), Souza (2001) e Carvalho (2014), que questionam o aparente consenso sobre o modelo de planejamento adotado pelas gestões que passaram por Curitiba. Destacam-se ainda os trabalhos de Moura e Ultramari (1994), Moura (2009) e Carmo (2012), que analisam o processo de metropolização da cidade. Já Padis (1971 e 1981) expõe o processo de crescimento populacional do Paraná de 1920 a 1970, período que reconfigura o território do estado, abrindo novas frentes para a urbanização na região Norte, e que consolida a localização da capital como polo de desenvolvimento e dos aglomerados urbanos que atualmente formam regiões metropolitanas no Paraná.

Tendo como objetivo analisar os antecedentes à instituição da região metropolitana de Curitiba, verifica-se que o planejamento urbano ganhou força a partir da década de 1940, com a apresentação do primeiro plano de urbanização para Curitiba (1943). O discurso em prol do planejamento também impulsionou o governador Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1955) na implantação de uma série de obras públicas, por ocasião do centenário da emancipação política do Paraná. Essas obras contribuíram para dar à capital paranaense feições modernistas, no intento de manter a polarização política e econômica em Curitiba, incentivando a metropolização, num período em que a região Norte era a que mais crescia no estado e não mais a capital.

Este trabalho remete a tentativas de ações planejadoras, verificando as feições dadas pela arquitetura modernista nos anos 1950, que consolidaram o centro cívico previsto no plano de Agache (1943) para Curitiba e contribuíram para a modernização da capital paranaense, sobretudo na construção da imagem de modernidade, rumo ao processo de metropolização intensificado a partir da década de 1960. Investiga-se assim as ações de governo e a implantação de obras na capital do estado, justificadas pela celebração do centenário de emancipação política do Paraná, em 1953, os atores envolvidos e a inserção destas obras, cujos investimentos em edifícios modernistas privilegiaram a capital paranaense.

É importante expor que o estudo dos investimentos realizados pelo governo paranaense para a implantação do centro cívico traz luz para um tema inédito de pesquisa, e foi realizado por meio de investigação no Arquivo Público do Estado do Paraná, a partir de documentos referentes à aprovação das leis orçamentárias no período de 1950 a 1955, da publicação do livro comemorativo do centenário do Paraná (1953) e do levantamento de informações sobre as contratações de projetos e obras durante o governo de Bento Munhoz da Rocha Neto (1951-1955). Além disso, utilizou-se a revisão bibliográfica como metodologia de pesquisa e a historiografia como método, para se entender o papel dos investimentos estatais em edifícios públicos e demais obras como parte do processo de metropolização da capital paranaense, bem como os antecedentes políticos, econômicos e urbanísticos à formalização da região metropolitana de Curitiba.

Embora possam ser conferidos investimentos importantes do governo estadual em demais regiões do estado, a concentração dos investimentos em edifícios modernistas em Curitiba, em um momento em que a rede urbana paranaense se consolidava em áreas do interior, reflete as ações filiadas à ideologia dos polos de desenvolvimento vigentes no período, que consolidou a capital como polo regional e garantiu com isso sua inserção como região metropolitana, em 1973.

O planejamento justificado pelo discurso técnico em prol da modernização de Curitiba

O Paraná foi a última província emancipada no período imperial, o que ocorreu somente em 1853, como resultado do desmembramento de parte do território paulista. Conforme Balhana, Machado e Westphalen (1969), o território paranaense é dividido em Paraná Tradicional (formado a partir do século XVII pelo entorno da capital Curitiba e a faixa litorânea), o Sudoeste e Oeste (cuja ocupação se iniciou no século XVIII) e a região Norte, conhecida como Paraná Moderno (consolidado somente no século XX, a partir da ação das companhias urbanizadoras).1

Essa configuração territorial apontada sobre o Paraná Tradicional demonstra a hegemonia histórica da capital paranaense e da faixa litorânea em relação às demais regiões do estado. Pois, até as primeiras décadas do século XX, o desenvolvimento de cidades e, na medida do possível, do que se possa ser tratado como urbanidade naquele período, ocorre em torno da capital paranaense e do porto de Paranaguá. Importante lembrar que, em certa medida, a implantação da estação ferroviária, em 1885, também facilitou a ligação de Curitiba com o litoral e os demais estados ao sul do país. Essas ações contribuem para forjar a polarização2 urbana em torno da capital do estado, que a partir da segunda metade do século XX culminará com a dinamização de Curitiba como região metropolitana.

Embora a historiografia do urbanismo aponte o plano desenvolvido pelo urbanista francês Alfred Donat Agache,3 no início dos anos 1940, como o marco inicial do planejamento urbano de Curitiba, é importante lembrar que Carvalho (2014) afirma que a alteração da feição da capital do estado em busca de um alinhamento com as demais capitais do país é notada já na virada do século XIX para o XX. Para tanto, a prefeitura contrata o engenheiro francês Pierre Taulois para ser o inspetor geral de mediação das terras públicas, abrindo-se o caminho para “a reconfiguração da malha urbana da cidade de modo a torná-la mais regular, quadrilátera, com cruzamentos em ângulos retos e bem definidos” (Carvalho, 2014, p. 87). A normatização é alcançada com a aprovação do primeiro código de posturas, em 1895, e revela sinais de uma cidade que se ordenava, tomada pela “preocupação com a simetria e estética das construções e dos logradouros, a drenagem de alagados, limpeza pública, redes de água e esgotos, iluminação pública elétrica” (p. 89).

Em 1903, a malha urbana de Curitiba foi ampliada a partir da lei n. 117, que determinou a área onde as ações públicas de modernização e urbanização deveriam ocorrer. Essa delimitação se manteve inalterada até 1929. A lei n. 177, de 1906, estabelecia o perímetro onde poderiam ser construídas casas de madeira e proibia essas construções na zona central, hierarquizando o uso do solo e forjando a modernização, na medida em que determinava que as construções na área central deveriam ter dois ou mais pavimentos. Percebe-se, nessas ações, o interesse em embelezar a cidade à luz das ressonâncias europeias, rompendo com as feições do período colonial e criando bairros que serviam ao interesse do capital privado, para formação de uma elite local, que contribuiu para o aumento do preço da terra e, consequentemente, a expulsão da população mais pobre, a princípio para bairros distantes e posteriormente para os municípios vizinhos.

As reformas urbanas empreendidas na gestão do prefeito Candido de Abreu (1913-1916) corroboram a valorização e a polarização da área central, instituindo rígida vigilância do poder público sobre as construções no local e o funcionamento das atividades comerciais. As preocupações com a área central seguiram nas demais gestões municipais na década de 1920, quando também passou a se apontar para a defasagem do perímetro instituído para a malha urbana no início do século.

Já na década de 1930, observando o alinhamento com os planos que traziam visão de conjunto e eram desenvolvidos para as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, a gestão do prefeito Lothário Meissner (1932-1937) defendeu a criação de um plano geral para a cidade, prevendo a formação de uma comissão para sua elaboração.4 Visando conhecer os problemas da cidade e a extensão deles, foi realizado um levantamento aerofotogramétrico, concluído em 1934. Embora a criação da comissão e a elaboração do plano geral não tenham avançado durante a gestão de Meissner, a revisão dos parâmetros para o parcelamento do solo foi promulgada pela lei municipal n. 50, de 1937.

As preocupações levantadas pelas gestões nos anos 1930 culminaram com a abertura para um novo momento rumo à modernização de Curitiba, ancorada pelo discurso técnico e em prol do planejamento urbano. Em contraposição ao desenvolvimento da capital, cidades novas eram implantadas por companhias urbanizadoras na região Norte do estado, abrindo espaço para aspectos urbanísticos modernos, que colocavam em xeque a hegemonia das ações modernizadoras empreendidas em Curitiba durante as primeiras décadas do século XX. Em 1941, o prefeito Rozaldo de Mello Leitão contrata a empresa Coimbra Bueno & Cia. Ltda., que conta com a consultoria de Alfred Agache, para elaborar o primeiro plano diretor – intitulado plano de urbanização de Curitiba (1943). Agache havia trabalhado na elaboração do plano para a capital federal e, em Curitiba, apresenta o zoneamento como base da urbanização e a garantia da justa valorização dos imóveis. Assim, mais uma vez é perceptível a preocupação com a valorização dos imóveis e da terra urbanizada. Visando alcançar essa diretriz, Agache propõe em seu plano de urbanização perímetros radioconcêntricos de desenvolvimento e expansão do território curitibano, a fim de se criar terra urbana, que permitiria a expansão do capital privado em novas frentes de desenvolvimento.5

A expansão defendida por Agache se dava por meio da implantação de um modelo radioconcêntrico instituído através de centros, circundados por vias perimetrais, das quais se disseminavam as radiais, a partir da antiga área central – chamada no plano de centro comercial e social –, interligadas às demais regiões de expansão por avenidas radiais. No contorno imediato ao “centro comercial e social”, foram propostos um setor de instrução (atualmente ocupado pelo Círculo Militar e pela Casa do Estudante, mantida pela Universidade Federal do Paraná ‒ UFPR), a consolidação de um centro cívico (voltado à instalação dos órgãos públicos estaduais e municipais), a criação do terminal rodoviário e a manutenção do Passeio Público (primeiro parque implantado na cidade).

Preocupado com a expansão de áreas pensadas para o desenvolvimento urbano e a viabilização de negócios imobiliários, Agache propõe, nas extremidades do perímetro e nos cruzamentos com as radiais, a criação de quatro parques urbanos. Assim, o Parque Barigui, do Ahú e a área em que se situa o atual Jardim Botânico, bem como o campus universitário onde se encontra implantado o Centro Politécnico da UFPR são previstos no plano de 1943. Além dos parques e da criação do centro cívico, o plano prevê a criação de centros de abastecimento (voltados a fomentar núcleos de bairros distantes da área central), de uma zona industrial e de um centro esportivo.

Conforme Silva (2000), o plano de urbanização de Curitiba e a valorização imobiliária caminharam juntos e os resultados foram exitosos para o setor imobiliário da cidade. De forma que os investimentos realizados pelo poder público em determinadas áreas da cidade retornaram em valorização desses espaços. “Houve uma contínua resposta do plano à valorização de áreas já valorizadas, como a área central, e a valorização de propriedades situadas ao longo das radiais e perimetrais” (Silva, 2000, p. 215). A considerável elevação do custo da terra em Curitiba inviabilizou a permanência da população de baixa renda em bairros que alcançaram a urbanização.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que o plano de Agache implanta uma proposta moderna de urbanismo em Curitiba, contribui também para a expansão urbana da cidade e, principalmente, para o desenvolvimento de novos territórios na ampliação do mercado imobiliário. À medida em que o mercado imobiliário alcança resultados expressivos com a elevação do preço da terra, a população de baixa renda, que originariamente ocupava as áreas, desloca-se para cidades vizinhas como Colombo, Piraquara e Almirante Tamandaré.


Legenda: 1) Centro Comercial; 2) Mercado Municipal; 3) Rodoferroviária; 4) Centro de Instrução; 5) Passeio Público; 6) Centro Cívico; 7) Parque do Ahú; 8) Hipódromo; 9) Parque; 10) Cidade Universitária; 11) Parque; 12) Parque Barigui

Figura 1 – Esquema apresentado no plano de urbanização para Curitiba pelo urbanista francês Agache (1943). Fonte: Editada pelo autor a partir de https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/especiais/aniversario-de-curitiba/2011/inovacoes-no-planejamento-urbano-trouxeram-fama-a-capital-etxc7vqz25dlecwkmzuwc60cu/


Esta observação é corroborada por Moura e Ultramari (1994), que apontam para o início do processo de ocupação do espaço metropolitano na virada dos anos 1940 para 1950. Os autores afirmam que esse processo “está ligado ao custo da terra e às restrições impostas pelo planejamento urbano de Curitiba, que direcionava a ocupação para áreas contíguas ao polo, em territórios de outros municípios”. Dessa forma, “em Colombo, Piraquara e Almirante Tamadaré, a maioria absoluta da população urbana reside fora da sede municipal, em áreas contíguas a Curitiba”. Os autores apontam ainda que em contraposição à capital do estado, esses municípios “ofereciam disponibilidade de terra parcelada e de menor valor, aliada à acessibilidade ao polo, garantindo moradia a uma faixa de população economicamente ligada às atividades do secundário e terciário, concentradas em Curitiba” (Moura; Ultramari, 1994, p. 9-10).

Já no início dos anos 1950, menos de dez anos após a aprovação do plano de urbanização de Curitiba, o discurso técnico apresenta o esgotamento da proposta de Agache e a necessidade de novas diretrizes no planejamento de Curitiba. O discurso alinhou-se com a defesa da modernização, da industrialização e do controle do adensamento, vigente no período, que também potencializava o estado enquanto agente promotor do desenvolvimento econômico, através de investimentos em obras públicas. A defesa da modernização, somada ao discurso ufanista paranaense – decorrente do movimento paranista6 –, encontra eco por ocasião da celebração do centenário de emancipação política do Paraná, em 1953.

A formação de polos de desenvolvimento no Paraná: entre a hegemonia e a metropolização da capital e as intervenções estatais para integração do interior do estado

Conforme já apontado, pode-se entender que o processo de metropolização de Curitiba teve início na década de 1940 – forjado a partir de iniciativas urbanísticas e melhoramentos que criaram novas áreas de expansão urbana e elevaram o custo da terra na capital – e foi consolidado nos anos de 1960 – no âmbito do incentivo à industrialização no Paraná. Em contraposição à hegemonia curitibana, vigente desde a emancipação paranaense, em detrimento das demais regiões do estado, a produção de café nos anos 1930 abre espaço para a expansão de novas fronteiras para o desenvolvimento urbano, sobretudo na região Norte. Entre 1940 e 1950, o número de cidades no Paraná saltou de 49 para 80. Até 1940 destacam-se pouco mais de dez municípios na região Norte: Bandeirantes, Cambará, Carlópolis, Cornélio Procópio, Jacarezinho, Joaquim Tavorá, Londrina, Ribeirão Claro, Santo Antônio da Platina, Sengés, Siqueira Campos, Tomazina e Wenceslau Braz. Já em 1950, observa-se a criação de 21 cidades, demonstrando a formação de uma nova região econômica no Paraná, fomentada pela lavoura cafeeira e integrada ao estado de São Paulo através da ferrovia.

A partir dos anos 1930 ocorrem “grandes movimentos ocupacionais da região Norte e, mais tarde, a Sudoeste; [...] entre 1920 e 1960, a população paranaense se multiplicou 6,2 vezes, enquanto a do país aumentava, apenas, 2,3 vezes” (Padis, 1971, p. 35). Ainda que o mesmo autor advirta que o crescimento do número de municípios não tenha resultado “num processo de urbanização propriamente, uma vez que em sua maioria, os municípios encontravam-se distantes de núcleos urbanos desenvolvidos” (1981, p. 186), a expansão da rede urbana alcançada nas décadas de 1940 e 1950 corrobora para o tensionamento político entre as regiões do Paraná Tradicional e do Paraná Moderno, dando início a uma polarização em torno de Londrina, Campo Mourão e Maringá.7 Essa tensão é exposta nas disputas políticas ocorridas para o governo do estado em 1946 e segue durante a década de 1950, em embates protagonizados por Moysés Lupion de Tróia, eleito pelo Partido Social Democrata (PSD) (1947-1951 e 1956-1961) e Bento Munhoz da Rocha Neto, eleito pelo Partido Republicano e a União Democrática Nacional (UDN) (1951-1955).

Na eleição de 1946, o discurso de modernização e a preocupação demonstrada com as cidades do interior do estado levaram Lupion à vitória sobre Bento Munhoz, que por sua vez era identificado com elites locais e oriundo de família produtora de erva-mate. Quanto a Lupion, é preciso destacar que, além de sua habilidade política e do discurso popular que o colocava como representante da renovação, por não ser oriundo de família tradicional, era proprietário de jornais e outros meios de comunicação que o ajudavam a disseminar seus feitos e combater os opositores.

Embora Lupion e Bento Munhoz tenham sido inimigos políticos, a integração das regiões do estado, por meio do incentivo à ocupação do território e da implantação de rede de transportes, estava prevista nas diretrizes dos governadores no período. Nesse sentido, o plano rodoviário apresentado em 1951 por Moysés Lupion é significativo para discutir a modernização do estado e a integração do território. Além disso, destaca-se no mesmo governo a criação de órgãos voltados a apoiar os municípios do interior, como o Departamento de Assistência Técnica aos Municípios (DATM)8 e o Departamento de Água e Energia (DAE), ambos criados em 1948.

A preocupação com a integração e a modernização do Paraná no período está filiada à ideia de desenvolvimento econômico a partir do crescimento industrial vigente, de forma que as metas de Lupion alinhavam-se ao contexto político nacional, na tentativa de superação de uma economia agrária e periférica. Isso porque, em 1950, o estado do Paraná era tido como predominantemente agrário, enquanto São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco apresentavam melhores índices de desenvolvimento.

Assim, para Augusto (1978, p. 28), a superação da situação “periférica” estava ligada às possibilidades de uma industrialização intensiva e extensiva no estado, fatos que motivaram o governo a se preocupar com a melhoria da infraestrutura, ampliando a discussão sobre a implantação de rede de transportes, de produção energética e de abastecimento de água para as demais regiões do estado. Além disso, a integração da região Norte com a capital era fundamental para a melhoria das relações econômicas do estado, pois o Norte cafeeiro possuía fortes vínculos com São Paulo, e grande parte das safras de café era escoada pelo porto de Santos e não por Paranaguá.

Se o discurso popular e modernizador de Moysés Lupion foi suficiente para derrotar o opositor em 1946, o discurso da moralização e do controle de gastos de Bento Munhoz, em 1951, garantiu a vitória contra Ângelo Ferrari Lopes, candidato do governador. A vitória de Bento Munhoz não interrompeu propriamente o processo de desenvolvimento do interior, priorizando projetos rodoviários que constavam do plano rodoviário de 1951, porém significou o retorno de grupos tradicionais ao poder. Buscando se consolidar no poder e apagar a imagem de político moderno conquistada pelo antecessor, Bento Munhoz se apropria da efeméride do centenário da emancipação política do Paraná para empreender uma série de obras públicas, que visavam dar a Curitiba uma imagem de capital moderna. Além disso, a preocupação com as obras públicas recobrava o discurso sobre o esgotamento do plano urbanístico de Agache e fomentava a discussão sobre a necessidade de se pensar um novo plano diretor para a capital paranaense.

Nos limites deste artigo, que visa tratar das obras do centenário como marco importante para a construção de imagem de uma capital moderna e, consequentemente, para a indução do processo de metropolização em Curitiba, as observações quanto aos embates políticos entre Moysés Lupion e Bento Munhoz demonstram a retomada da polarização em torno da capital paranaense, promovida pelo estado. Isso porque, no início dos anos 1950, a imagem da Curitiba moderna era ameaçada pelas cidades novas e planejadas, implantadas na década de 1940 na região Norte do estado. Assim, o centenário de emancipação do Paraná é entendido por Bento Munhoz como a oportunidade de empreender um programa de obras públicas na capital paranaense, que permitiria a construção da imagem de modernidade e que alinharia o Paraná no desenvolvimento de projetos da arquitetura moderna.

No que tange ao programa de obras públicas previstas para celebrar o centenário paranaense, é importante expor que, além da implantação de edifícios modernistas para a administração do estado em Curitiba e de alguns dos ramais rodoviários planejados no plano rodoviário (1951), estava prevista a construção de unidades escolares, postos de saúde e sedes de delegacia de polícia em distintos municípios do estado. Dessa forma, “foram concluídas, em 1952, 61 obras, sendo 29 para a Secretaria de Educação, 17 para a de Saúde, 14 para a Chefatura de Polícia, 1 para a Secretaria de Justiça e 2 para a do Trabalho e Assistência Social” (Paraná, 1953, p. XII).

Até 1952, as obras beneficiaram cerca de quarenta cidades em todo o estado do Paraná. Destaca-se a implantação de obras para além da capital paranaense, como os edifícios para sediar chefaturas de polícia em Abatirá, Bela Vista do Paraíso, Jataizinho, Paranaguá, Rio Negro, Timoneira e Wenceslau Braz; a criação de escolas em Antonina, Araucária, Assaí, Bandeirantes, Bocaiúva do Sul, Colombo, Congonhas, Guaraqueçaba, Imbituba, Lapa, Mallet, Morretes, Palmeiras, Ribeirão Claro, Santo Antônio da Platina, Siqueira Campos e União da Vitória; e de postos de saúde em Andirá, Araucária, Campo Mourão, Castro, Ibiporã, Imbituba, Jaquapitã, Jataizinho, Palmeiras, Porto Amazonas e Reserva; além do hospital regional em Tibagi, da ampliação do sanatório em São Sebastião da Lapa e do leprosário e do hospital psiquiátrico em Piraquara.

Embora a ação do governo estadual na implantação de obras tenha se feito presente em boa parte do estado do Paraná, observa-se o cuidado do governador na escolha dos arquitetos para a elaboração dos projetos dos edifícios que comporiam o conjunto do centro cívico, incumbindo a estes a responsabilidade sobre a construção da imagem da Curitiba moderna, que elevaria a imagem metropolitana da capital sobre as demais regiões do estado.

As obras modernistas no centenário paranaense como apoio à construção da imagem metropolitana de Curitiba

No início da década de 1950, o Paraná sofria forte influência do Estado Novo, no que tangia à característica política da época: a centralização do poder. O período é marcado por importantes projetos públicos, dando espaço para a implantação de edifícios modernistas na capital federal, sendo seguida pelas demais capitais. Assim, caracterizava-se, por meio da arquitetura moderna, uma tentativa de marcar a passagem do Brasil para a modernidade. Essa influência não passou despercebida no Paraná, inclusive fora da capital, destacando os projetos de Vilanova Artigas em Londrina, para o terminal rodoviário e o Cine Teatro Ouro Verde, ambos inaugurados em 1952.

Em Curitiba, a implantação de um centro cívico voltado a abrigar a sede do governo estadual já estava prevista no plano de urbanização de Agache, em 1943. Embora a prefeitura tenha empreendido uma série de obras viárias que visavam estabelecer as ideias do plano, o centro cívico não havia saído do papel. Curitiba se transformava, rompia com o traçado irregular oriundo do período colonial, urbanizava áreas precárias e abria novas vias, como a Visconde de Guarapuava, a Marechal Floriano Peixoto e a Sete de Setembro, além das galerias pluviais da rua XV de Novembro. Além disso, observava-se forte impulso na verticalização e consolidação de setores de moradia para a população mais abastada, após as intervenções do poder público na urbanização e em melhoramentos de bairros como o Juvevê, Bachacheri, Glória, Água Verde, Assungui, Bigorrilho, Mercês, Guabirotuba, Cajuru, Ahú e Batel.9

Para Gonçalves (2003), “a materialização de Curitiba como capital político-administrativa se fazia necessária devido à importância da economia cafeeira no Norte do Paraná, que assumia na época papel importante na geração de riqueza do estado”. Dessa forma, as obras para a criação do centro cívico tinham como objetivo “estabelecer definitivamente Curitiba como centro político e administrativo do Paraná”.

Em 1951, quando Bento Munhoz tomou posse no governo estadual, a capital “já possuía uma nova aparência e ele colocou em prática ideias contidas no plano de Agache”, a exemplo da “construção do centro cívico, em espaço sugerido pelo plano, com edifícios de forte expressão modernista” (Carmo, 2012, p. 49). Ancorado pelas comemorações do centenário, o governador Bento Munhoz “teria como meta de sua gestão a construção de marcos culturais e arquitetônicos que [...] se configurariam como eficazes aparatos para preservar uma memória da coletividade” (Carvalho, 2014, p. 104).

Para conceber o plano geral para implantação do centro cívico (Figura 2), o governador incumbiu o arquiteto David Azambuja, que posteriormente se responsabilizou pelo projeto do Palácio Iguaçu – sede do governo estadual (Figura 3). O arquiteto paranaense era graduado pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, e havia trabalhado na comissão do plano da cidade da capital federal, entre 1938 e 1948, responsável por revisar e atualizar o plano Agache (1930) às novas demandas da cidade do Rio de Janeiro. À época era professor na mesma universidade em que se graduou, onde ingressou através de concurso público em 1949, e recebeu o título de doutor em arquitetura.

Azambuja convida para compor a equipe de projeto os arquitetos Olavo Redig de Campos – responsável pelo projeto da Assembleia Legislativa –, Flávio Amílcar Régis do Nascimento – responsável pelo projeto dos edifícios para o Poder Judiciário –, e Sérgio Rodrigues – que concebeu o Palácio das Secretarias, que originalmente teria mais de trinta pavimentos para abrigar, em um único edifício, todas as secretarias do governo estadual. Conforme Gonçalves (2003), o Palácio das Secretarias teria ressaltado “na fachada o gabinete de cada um dos secretários de estado [...] e possuiria ainda sala de exposições, restaurante de grandes dimensões, auditório e terraço-jardim na cobertura. [...] Junto ao edifício seria construída uma cúpula com 52 metros de diâmetro para abrigar a Pagadoria e Recebedoria”.

É importante observar, quanto aos vínculos profissionais e acadêmicos da equipe, a proximidade com a “escola carioca”, tendo os autores convivido com arquitetos como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Afonso Reidy, além de eventuais aproximações com Le Corbusier e com o urbanista francês Alfred Agache. Além do Palácio Iguaçu, Azambuja também projetou, no mesmo período, os edifícios da reitoria da UFPR e das faculdades de filosofia e economia, que abrigam atualmente o setor de artes e o setor de ciências sociais.


Legenda: 1) Palácio Iguaçu; 2) Residência Oficial; 3) Palácio da Justiça; 4) Tribunal Eleitoral; 6) Assembleia Legislativa (Alep); 7) Secretaria da Alep; 8) Comissões Alep; 9) Edifício das Secretarias; 10) Tribunal de Contas

Figura 2 – Implantação proposta para o centro cívico. Fonte: Mueller (2006, p. 2.010). Disponível em: https://www.memoriaurbana.com.br/edificios-publicos-de-curitiba/centro-civico-de-curitiba/


Destaca-se ainda, no âmbito das comemorações do centenário, a implantação de outros edifícios modernistas em Curitiba, como a Biblioteca Pública do Paraná – projetada pelo arquiteto Romeu Paulo da Costa, e o Teatro Guaíra – projetado pelo engenheiro Rubens Meister,10 também responsável pelo projeto do auditório da reitoria da UFPR. Embora fora do perímetro destinado ao centro cívico, esses projetos levam a arquitetura moderna para a área central da cidade e influenciam a criação de outros projetos modernistas, como o edifício da Caixa Federal (de autoria de Romeu Paulo da Costa) e obras contratadas pela iniciativa privada, como a sinagoga Francisco Frischman, o edifício sede da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep) e a nova sede para o banco Bamerindus (estes últimos de autoria do mesmo arquiteto).


Figura 3 – Construção do Palácio Iguaçu no centro cívico em 1953. Fonte: Museu da Imagem e do Som. Disponível em: https://www.memoriaurbana.com.br/edificios-publicos-de-curitiba/centro-civico-de-curitiba/



Figura 4 – Construção do Edifício das Secretarias (à esquerda) em 1953, com projeto já revisado para onze pavimentos. Após a inauguração, o edifício foi ocupado e é utilizado até hoje pelo Palácio da Justiça. Fonte: Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Disponível em: https://www.memoriaurbana.com.br/edificios-publicos-de-curitiba/centro-civico-de-curitiba/


A construção do centro cívico era um importante feito para forjar a imagem da Curitiba moderna (Figura 5), pois elevaria a capital paranaense à primeira cidade da América do Sul a centralizar as repartições públicas estaduais em um conjunto arquitetônico unificado.11 Assim, os investimentos do governo de Bento Munhoz na capital eram altos e visavam marcar a imagem de um Paraná forte, moderno e eficiente, a fim de figurar como lugar desenvolvido entre os demais estados do país. Cabe ainda observar que a abertura para a implantação de edifícios modernistas era importante para posicionar a capital paranaense frente às cidades novas e planejadas da região Norte, que, a exemplo de Londrina, também se abriam para projetos arquitetônicos modernos.

É importante lembrar que, além dos arquitetos citados, as obras dos edifícios do centro cívico para comemoração do centenário paranaense também contaram com artistas plásticos – além de Erbo Stussel, Humberto Cozzo e Bartholomeu Corso, engenheiros – como Armando Miguel Matte, Veneverito da Cunha, Paulo Fragosso, Pedro Viriato Parigot de Souza e Eugênio Grandinetti e o designer Julio de Almeida Serrana.


Figura 5 – Fotomontagem da maquete do projeto para o centro cívico em 1952. Fonte: Álbum do Natal do centenário, 1853-1953. Disponível em: https://www.memoriaurbana.com.br/edificios-publicos-de-curitiba/centro-civico-de-curitiba/


Ao final de 1953, no momento de comemoração do centenário, as obras do novo centro cívico ainda não estavam concluídas. Além disso, Gonçalves (2003) aponta para as alterações no projeto e para o abandono de alguns elementos, como no caso do Edifício das Secretarias, originalmente concebido por Sérgio Rodrigues com trinta pavimentos, que não passou de onze e, após a conclusão, foi destinado a abrigar o Palácio da Justiça. O conjunto destinado à Assembleia Legislativa suprimiu a construção do Edifício das Comissões e teve as obras interrompidas até 1960, quando o projeto de Olavo Redig de Campos foi revisado pelo arquiteto Edson Klotz.

Se, na década de 1950, essa movimentação em torno da disseminação de projetos arquitetônicos modernos em Curitiba contribuiu para a consolidação da imagem de um projeto moderno no Paraná, a partir da década de 1960, esses marcos arquitetônicos servem para forjar a imagem metropolitana de Curitiba frente às demais regiões do estado. Embora a institucionalização da região metropolitana de Curitiba tenha se dado somente em 1973, a implantação do centro cívico consolida a imagem moderna da cidade quase vinte anos antes de ser considerada uma metrópole e impõe aos moradores da capital um novo padrão de edifícios, que não são notados, no período, nas cidades do entorno da capital. Além disso, o centro cívico contribui para consolidar o setor de alta renda de Curitiba e permite a recuperação dos investimentos realizados pelo município na década de 1940 nos bairros de entorno, valorizando o valor da terra e dos imóveis na região, tornando inviável a permanência da população de baixa renda no local.

Em 1965, Jorge Wilheim apresenta, no âmbito do concurso para um novo plano para Curitiba, o plano preliminar de urbanismo, que dá origem ao plano diretor que defende a implantação dos corredores de ônibus e o adensamento, a partir do desenvolvimento de eixos viários. Assim, se a criação do centro cívico contribuiu para a consolidação urbana do setor Leste e Norte (em torno do antigo Centro), o plano de 1965 consolida o crescimento do vetor Oeste, abrindo campo para a expansão de novas fronteiras urbanas para o capital imobiliário e consolidando a urbanização dos bairros do Batel, Bigorrilho, Mercês e Água Verde.

A urbanização em torno dos eixos previstos no plano de 1965 contribui para a expansão dos limites territoriais da capital paranaense. Por sua vez, o sistema de transportes desenvolvido em Curitiba nos anos 1970 contribui para a polarização em torno da área central da cidade, criando conexões das cidades vizinhas em torno da capital do estado, num sistema em que os principais terminais se localizam no Centro.

Considerações finais

Este trabalho contribui para a elucidação do processo de urbanização, modernização e metropolização de Curitiba, vinculando a construção da imagem de uma capital moderna ao ideário defendido nos projetos de arquitetura modernista. É importante verificar que as ações modernizadoras se fizeram presentes desde o início do século XX, com a delimitação de setores específicos e a proibição de edifícios de madeira, que deveriam dar lugar a edificações com no mínimo dois pavimentos na área central. Embora em proporção mais modesta, quando comparado com as obras de melhoramentos em curso na capital federal e em outras capitais no período, esse aspecto demonstra alinhamento da cidade com as demais iniciativas do urbanismo.

O alinhamento com as demais iniciativas urbanísticas em curso no Brasil é retomado a partir da apresentação do plano de urbanização, apresentado por Alfred Agache em 1943. Apesar da nítida vinculação entre as ações pensadas no plano e a expansão das áreas para desenvolvimento imobiliário, o plano de Agache abre campo, em Curitiba, para a difusão do urbanismo como uma questão técnica, tratada de forma estanque às ações políticas. Essa observação é importante pois o discurso técnico vigora até os dias atuais sobre as iniciativas urbanísticas em Curitiba e impõe distância à população na tomada de decisão do planejamento da cidade, que desde o final dos anos 1960 está a cargo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).

É importante lembrar que, no momento de institucionalização da região metropolitana de Curitiba, em 1973, o Ippuc era difundido como um importante órgão de planejamento municipal. Suas ações seguiram em curso na cidade de forma bastante significativa até o início dos anos 1990, quando perdeu importância política para o discurso ambiental. Porém, a defesa do plano de 1965 consolidou as ações de urbanismo dentro de seu perímetro, excluindo os bairros periféricos, que, assim como as demais cidades componentes da região metropolitana, seguem desconexos do urbanismo difundido pela cidade que tenta se colocar como modelo exitoso de planejamento urbano e de modernidade frente às demais capitais do país.

Quanto à abordagem tratada neste artigo, é importante expor que a ideia de polo de desenvolvimento e polarização em torno das áreas mais próximas do Centro nortearam os investimentos para a implantação do centro cívico de Curitiba. Além disso, impactaram na construção simbólica da imagem da modernidade, que nos anos 1970 era essencial para o projeto de metropolização da capital paranaense. Apesar do projeto do centro cívico não ter sido concluído em sua totalidade, e de vários edifícios terem sido construídos posteriormente com projetos distintos dos originais – como a Assembleia Legislativa do Paraná e os edifícios que abrigam algumas das secretarias de estado, construídos no final da década de 1970, atrás do Palácio Iguaçu –, o conjunto projetado por Azambuja em 1952 pode ser considerado a obra através da qual o governo estadual deu reconhecimento à arquitetura moderna no Paraná, apropriando-se dela para forjar a polarização política em torno da capital do estado e auxiliar na indução do processo de metropolização de Curitiba.

Assim, pode-se dizer que a implantação do centro cívico pelo governo estadual alcançou duplo significado, sendo um interno e outro externo. No âmbito interno, a difusão da arquitetura modernista em Curitiba, através da ação estatal, alinhou o Paraná com os projetos em curso nas demais capitais do país e resgatou a importância política econômica da capital do estado, frente ao desenvolvimento em curso na região Norte. Já externamente, pode-se observar que a construção da imagem de modernidade, a partir do centenário de emancipação política do Paraná, em 1953, contribuiu para o processo de metropolização de Curitiba.

Quanto ao processo de metropolização, é importante lembrar que ele é acompanhado de contradições em si. Esse tipo de arranjo urbano regional, ao mesmo tempo em que concentra expressiva quantidade de população e tem relevância econômica, política e forte articulação regional, resultando em alta produção econômica, concentra também graves problemas sociais e econômicos, que são distribuídos para as demais cidades da região metropolitana. Essas cidades, embora apresentem menor custo de vida para seus habitantes, não contam com o mesmo padrão de urbanização da sede metropolitana, expondo assim o conflito da desigualdade regional e social. Fatos que, em Curitiba, conforme demonstrado neste artigo, foram resultado de sucessivas ações de planejamento e dos planos difundidos em diferentes momentos da história urbana da capital paranaense.

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Recebido em 19/8/2022

Aprovado em 26/9/2022


Notas

1    A partir da década de 1930, verifica-se a criação de novos municípios no Paraná, sobretudo na região Norte do estado – conhecida como Paraná Moderno –, a partir da atuação das companhias urbanizadoras, como a Companhia de Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), a Companhia Brasileira de Imigração e Colonização (Cobrinco), a Companhia Colonizadora Byngton, a Mariluz, a Colonizadora Cafezal, a Colonizadora Rio Bom e a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná (Sinop).

2    A ideia de polos de desenvolvimento econômico é desenvolvida pelo economista francês François Perroux, que aponta que o desenvolvimento econômico nos moldes capitalistas se dá de forma polarizada, em regiões que se tornam polos de atração de capital e de força de trabalho, gerados por investimentos concentrados.

3    Fundador da Sociedade Francesa de Urbanismo, em 1911, Agache foi professor em Tours, na França, e definiu a terminologia para urbanismo. Alcançou projeção internacional e no Brasil atuou em planos para as cidades do Rio de Janeiro (1927-1930) e Curitiba (1941-1943). Em Porto Alegre, foi responsável pelo projeto do Parque da Redenção (1935).

4    Ao longo da década de 1930, ocorre a regulamentação da profissão de engenheiro e arquiteto (decreto federal 23.569/1933) e o debate urbanístico é incrementado em torno do descontrole dos processos de expansão das cidades e da necessidade de criação de um código de urbanização federal, além da defesa da instauração das comissões de plano nas capitais, como órgãos responsáveis pelas decisões de planejamento urbano.

5    Os estudos coordenados por Agache para o plano de urbanização de Curitiba são sintetizados em um encarte com quatro capítulos, que destaca o cuidado com o zoneamento, a circulação e o combate às enchentes. Trezentas e dez pranchas no formato A1 são confeccionadas, apresentando detalhamentos sobre as ruas, rios e áreas verdes da cidade.

6    A gênese do movimento paranista se vincula à criação do Instituto Histórico e Geográfico, em 1900, que procurou construir uma identidade regional no Paraná. Nos anos 1920 e 1930, atingiu o auge, disseminando através de movimentações artísticas a defesa da identidade cultural e regional paranaense.

7    Além da polarização em torno de Londrina, observa-se também, a partir da década de 1950, a polarização em torno de Maringá, consolidando no período um novo polo econômico regional no Paraná, que passa a se contrapor a Curitiba. Em 1998, a lei complementar n. 81 criou as regiões metropolitanas de Londrina e de Maringá.

8    Em quadro comparativo com os demais estados, a criação do DATM no Paraná, em 1947, durante o primeiro governo de Lupion, é tardia, pois a instalação de departamentos como este é discutida por urbanistas e políticos desde os anos 1930. São Paulo instalou o Departamento das Municipalidades em 1930, Pernambuco e Rio de Janeiro em 1932, Minas Gerais em 1934 e a Bahia em 1936.

9    Quanto à localização desses bairros, é importante lembrar que, embora já existissem na década de 1940, o Ahú, Glória e Juvevê circundavam o local escolhido por Agache para a implantação do futuro centro cívico. Assim, a criação do complexo administrativo consolida o vetor de alta renda na cidade.

10    Embora reconhecidos como arquitetos, tanto Romeu Paulo da Costa quanto Rubens Meister tinham formação em engenharia pela UFPR, tendo alcançado o título respectivamente nas turmas de 1948 e 1947. Ambos contribuíram com a implantação de importantes projetos modernistas em Curitiba. Além disso, Rubens Meister foi um dos responsáveis pela criação do curso de arquitetura e urbanismo na UFPR, em 1962, tendo lecionado na instituição.

11    No Brasil, a difusão da ideia de projetos para centros cívicos é tardia. Afonso Eduardo Reidy propôs um projeto, em 1948, para o Rio de Janeiro. Assim, pode-se inserir a implantação do centro cívico de Curitiba, inaugurado em 1953, como inovadora para o país.



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