Acervo, Rio de Janeiro, v. 35, n. 3, set./dez. 2022

Independências: 200 anos de história e historiografia | Dossiê temático

As roupas e os regimes durante a Independência brasileira

Uma análise da indumentária de d. João VI e d. Pedro I em retratos de Estado (1807-1831)

The clothes of the sovereigns in the time of the Brazilian Independence: a sartorial analysis of state portraits of Dom João VI and Dom Pedro I (1807-1831) / Las ropas de los soberanos en el período de la Independencia de Brasil: un análisis de las ropas y accesorios de d. João VI y d. Pedro I en retratos de estado (1807-1831)

Cecília Soares

Doutora em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Brasil.

ceciliaebsoares@gmail.com

Resumo

O artigo compara as representações de d. João VI e d. Pedro I em retratos de Estado, e suas expectativas de regência, por meio da análise das vestimentas e dos acessórios com que são ilustrados, entre 1808 e 1831. Argumenta-se que os estilos de indumentária traduzem parcialmente seus entendimentos e planos sobre a política nacional e o papel de monarca ou imperador.

Palavras-chave: indumentária; regência; Independência do Brasil; retratos de Estado.

Abstract

This article compares the representations of d. João VI and d. Pedro I in state portraits, and their regency expectations, through an analysis of the sartorial items and the accessories into which they are depicted, between 1808 and 1831. We consider that the sartorial styles partially translate their understandings and plans about national politics and the role of the monarch or emperor.

Keywords: sartorial items; regency; Independence of Brazil; state portraits.

Resumen

El artículo compara las representaciones de d. João VI y d. Pedro I en retratos de estado, y sus expectativas de reinado, por medio de un análisis de las ropas y accesorios con los cuales son retratados. Consideramos que los estilos de indumentaria traducen parcialmente sus visiones y planos sobre las políticas nacionales y el papel del rey o emperador.

Palabras claves: indumentaria; regencia; Independencia de Brasil; retratos de estado.

Introdução

Em 27 de novembro de 1807, embarcava d. João, então príncipe regente de Portugal, com sua família real, rumo ao Brasil. A travessia era o desfecho de um complicadíssimo conflito político, em que a monarquia lusa sofria pressões variadas, em particular da França e da Inglaterra, e corria o risco de sofrer retaliações profundas. Era, também, uma decisão radical na relação entre, à época, uma metrópole europeia e uma colônia latino-americana – um gesto que definiria pour de bon os desdobramentos consecutivos na história luso-brasileira (Carvalho, 2017). A família se distribuiu em três naus: Rainha de Portugal, Afonso de Albuquerque e Príncipe Real (Schwarcz, 2002, p. 222). Nessa última, entre outros passageiros, estava Pedro, um dos oito filhos de d. João, então com nove anos e futuro imperador do Brasil.

A transição de colônia da América portuguesa para um país independente não ocorreu em um evento pontual, numa ruptura seca, mas pode ser entendida como um processo complexo, inclusive na escolha dos tipos de governo. À monarquia lusa, com fortes tintas de Antigo Regime, sucede um império constitucionalista. Se há, de fato, algo de dinástico no período de fomento de independência do país, já que a casa de Bragança segue à frente da linhagem e do governo, pai e filho apresentam estilos bastante próprios de regência e tomada de decisão.

Este artigo explora a indumentária de ambos como elemento de comunicação política, entendendo a postura, as roupas e os acessórios enquanto peças importantes na expressão de um estilo de reino, ainda mais nesse caso de descontinuidade de regimes. Assim, utiliza-se a cultura material (e sua representação artística) como uma rica fonte de interpretação sócio-histórica (Ribeiro, 1998) de um momento de redefinição do que é reinar e de que nação é regida. Através dos grandes episódios de chegada, de aclamação ou coroação e dos retratos dessas duas figuras, sublinhamos a importância do vestuário e dos calçados na comunicação de uma mensagem, ao mesmo tempo, cultural e pessoal do papel do monarca ou do imperador, e dos interesses maiores sobre o destino brasileiro.

A (representação da) indumentária como elemento de interpretação sociopolítica

Cenários sociopolíticos são reconhecidamente complexos e de difícil reconstituição histórica. Estudos da cultura material, e, em particular, da indumentária, podem ser uma rica fonte de interpretação de dinâmicas de época, como durante o chamado Antigo Regime,1 vigente na Europa, e tendo na monarquia o principal modo de governo adotado. Nele,

a sociedade estava ordenada por clivagens hierárquicas rígidas. [...] Aos grandes (duques, marqueses e condes) o rei reservava o privilégio de escolher “as pessoas que hão de ocupar os principais cargos da corte, da guerra e dos governos ultramarinos”. Esses agentes sociais constituíam o núcleo de poder aristocrático. Era a nobreza de sangue, acreditada como a mais antiga e tradicional. Esse grupo situava-se mais próximo do rei devido a honras obtidas em campanhas e lutas em defesa do reino. Mas, havia ainda os setores da nobreza recém-nobilitados, cujos títulos eram obtidos através de mercês, [...] e, por conta disso, considerados socialmente inferiores aos grandes do reino. Nas demais esferas da vida urbana, relacionadas ao “povo”, [...] a multiplicidade de tipos era evidente. (Oliveira, 2010, p. 113)

O Antigo Regime dedicara longuíssimos períodos à elaboração da “cultura das aparências” (Roche, 1989), em que os modos de vestir e calçar se associavam a uma rigorosa hierarquização da sociedade. O “teatro da corte” (Carvalho, 2019) procurava traduzir categorias-chave da sociedade, como hierarquias, referenciais de consumo, crenças religiosas etc., através da indumentária e da etiqueta adotadas. Uma das principais ferramentas de regulação da estética para controle e identificação social eram as conhecidas leis suntuárias. Afinal,

é [...] na monarquia que a etiqueta alcança tal importância que realidade e representação confundem-se em um jogo intrincado. Nesse sistema em que o ritual não está só nos costumes mas consta nas próprias leis, e em que a etiqueta não é secundária, porém parte fundamental do sistema, o que importa é ver o que o monarca . É o olhar do rei que faz o milagre, é o consenso em torno de seu poder ritual que “veste os nus”. (Schwarcz, 1999, p. 27, grifo nosso)

Além dessas leis, insígnias, cores e outros elementos distintivos operavam como sinais, através dos quais se podia entender a origem, a profissão ou o apadrinhamento de diversos perfis sociais (Silva, 2010). Em uma sociedade altamente iletrada, os sinais visuais participavam fortemente de uma classificação de cada pessoa, com baixa abertura para a customização individual de cada regra.

Embora o Antigo Regime já trouxesse acenos de despedida ao longo de todo o último quarto do século XVIII, a corte portuguesa estava profundamente ciente da importância de manter tais etiquetas ao desembarcar no Rio de Janeiro, pois a permanência do “teatro” contribuía para a própria vigência do regime monárquico em questão, que já se encontrava ameaçado. Assim, procurou-se manter uma versão tropical dessa dinâmica. Espaços onde se pudesse ver e ser visto eram fundamentais. Além disso, a estética da corte demandava um acesso a tecidos, joias, acessórios e sapatos para as elites locais, inclusive entre os seus escravizados (Lara 2000), incentivando a importação de tais materiais – até então escassos na cidade.

Por outro lado, a colônia não aparecia como uma tabula rasa, em que fosse possível resgatar, praticamente sem adaptações, os quesitos do Antigo Regime, já atingidos no flanco. Discussões inerentes à modernidade, como a cidadania, o sentido da liberdade e o trabalho remunerado seriam inescapáveis nos anos seguintes (Soares; Bon, 2020). Além disso, o uso de sapatos era vetado aos escravizados, agindo sobre o marco social basilar da liberdade.

Analisar a indumentária nesse contexto de Independência remete, portanto, a abordar modelos de cidadania e de política que estão sendo, ao mesmo tempo, reconsiderados e reformulados. Contudo, a baixa disponibilidade de peças nos leva a estudar as suas representações em diversas obras – a começar por retratos (pinturas e ilustrações), onde roupas e acessórios aparecem como símbolo direto de um ideal de civilização. Tais obras tampouco são neutras – nelas, temos uma mescla de intenções dos artistas, contexto produtivo e relação com os próprios retratados (Dias, 2006; 2011). Por isso, o estudo de aparências através de quadros e outras referências pode ser entendido como uma interface que exige “competências de historiador da arte e de historiador” (Roche, 1989, p. 539).

A vinda da família real para a então colônia, em 1808, abriria um momento único na historiografia, em que, muito além dos embarcados, chegavam também modos de viver, diplomacias e expectativas (Fragoso; Gouvêa; Bicalho, 2001; Fridman, 2010). Tudo em um espaço onde, até então, inúmeras atividades econômicas haviam sido vetadas, e cuja capital padecia de condições estruturais, no melhor dos casos, precárias, apesar das iniciativas prévias de reforma e embelezamento (Carvalho, 2008).

Ao longo dos anos seguintes, assistir-se-ia a um conjunto intenso de modificações sociais e urbanas; ademais, o andamento dos eventos e decisões culminaria em profundas guerras civis em Portugal, no retorno da família real a Portugal em 1821, e na Independência do Brasil em 1822, sendo Pedro aclamado imperador em 12 de outubro daquele ano. D. Pedro I procuraria lidar com as questões dos dois lados do Atlântico até 1831, quando abdicaria em prol do filho e retornaria à Europa. Esse período aparentemente curto se debruçou em questões profundas sobre relação e destino; sobre o papel, o sentido e as ações do regime monárquico; sobre projetos de governo e perfis de regência. Ao analisarmos os contrastes das peças e acessórios com que d. João e d. Pedro foram representados durante o processo de Independência, podemos identificar rupturas e continuidades entre as intenções de cada um e na sua relação com o papel de regente.

Como é o rosto de um rei? Estéticas de d. João VI e d. Pedro I

A ilustração de membros de famílias reais é, por si só, um processo antigo, que “forma uma narrativa icônica e simbólica [...] da legitimação do poder e que tem por intuito glorificar a monarquia” (Lambert, 2015). Contudo, pode-se situar a consolidação do retrato como forma privilegiada de ilustração, na Europa, a partir do século XVI, inclusive pelo desenvolvimento de técnicas de impressão, que permitem uma difusão mais ampla do “rosto do monarca”. Progressivamente, o aspecto icônico da produção retratista dá lugar a uma “tradução da alma humana”, feito particularmente importante no caso da realeza, cujo espírito é diretamente associado à divindade, e cujo corpo físico tem a superposição de um corpo mítico. Temos um espaço para, ao mesmo tempo, idealizar virtudes sem renunciar à semelhança de traços entre obra e pessoa.

O chamado retrato de Estado, cujo formato foi composto durante o Renascimento, aparece como ferramenta política de peso, transmitindo valores simbólicos e ideologias. Uma maneira de comunicar a estabilidade do regime consiste na relativa estabilidade da figura retratada, permitindo que seja reconhecida com facilidade. Nesse sentido, a obra é também instrumento (Pinelli et al., 2012).

Em fins do século XVIII e ao longo do século XIX, os retratos régios eram encomendados não apenas pelas próprias famílias reais, mas também pelos cidadãos comuns, a fim de decorar e ilustrar espaços variados.2 Progressivamente, a técnica da pintura daria lugar à fotografia e outras visões de mundo. D. João VI e d. Pedro I procuraram, cada um a seu modo, de forma mais ou menos bem-sucedida, se relacionar com tempos em profunda transformação.

“Modelo de filhos e de reis”: d. João e um Regime que se tornou Antigo

A casa de Bragança, cujas origens remontam a 1442, foi a detentora do trono português entre os séculos XVII e XIX. Ao longo desse período, a monarquia lusa não se limitava a um reino no continente europeu, mas dizia respeito a um império (Hourcade, 2016), dotado de territórios em várias regiões do planeta e de operação complexa e hierarquizada, em que as chamadas colônias deveriam seguir as normas da metrópole (Hespanha, 2001).

Mais do que isso, a versão portuguesa do Antigo Regime desenvolveu pontos bastante nítidos sobre “o sempiterno problema do poder na confluência entre o temporal com o espiritual e o transcendente” (Andrade Neves, 2011, p. 1), ou seja, de como se entendia, justificava e compunha a dinâmica de poder e da organização da sociedade, em termos mundanos, mas também em termos divinos – pois o poder nem sempre advinha dos próprios homens. Assim, uma das questões-chave a ser representada em retratos de Estado era a chamada “ordem natural”, associada a uma sociedade corporativista, ressaltando o papel do rei.

Como vimos, o retrato de Estado pretende, ao mesmo tempo, traduzir um indivíduo e sintetizar a sua função. No caso da estrutura portuguesa, a vertente corporativista se pautava em uma metáfora sobre o funcionamento da natureza como um todo, e, muitas vezes, da anatomia humana. Entendia-se que a harmonia geral operava como um corpo, dependendo do bom funcionamento de cada órgão, numa estrutura em que a natureza era regida por leis fundamentais, predeterminadas pela ordem da criação, que, por sua vez, era “superior no mundo, anterior e mais elevada do que a vontade ou as leis dos homens” (Navarro, 2019, p. 229). Partia-se do pensamento medieval, que “sempre se manteve firmemente agarrado à ideia de que cada parte do todo cooperava de forma diferente na realização do destino cósmico” (Hespanha, 1994 apud Navarro, 2019, p. 227).

Com isso, a dimensão “absolutista” da monarquia era mitigada por outras fontes de poder e de entendimento do mundo (Cardim, 1998; Macedo, 2010); todavia, a figura do príncipe e do rei ainda aparecia como a “cabeça” do corpo a ser trabalhado – imagem que se traduzia na centralização espacial do poder, com a escolha de Lisboa como caput regni, ou cabeça do reino (a capital).3 Nessa lógica,

durante muitos séculos a distribuição de poder foi encarada como fenômeno positivo, por se acreditar que tal correspondia a uma determinação da divindade, enquanto responsável pela criação do corpo social. No quadro desta crença metafísica [...], cada uma das partes da sociedade possuía uma determinada capacidade de autogoverno e o rei constituía uma parte solidária deste conjunto. Por imperativo de ofício, ao monarca cabia trabalhar para manter esse sistema de relações, respeitando a ordem das coisas e procurando alterá-la o mínimo possível. O seu dever mais essencial era, portanto, manter a ordem, preservar os equilíbrios sociais há muito estabelecidos e, em momentos de conflito, restaurar essa ordem. (Cardim, 1998, p. 142)

Até praticamente a década de 1750, essa estrutura de regência procurou “se converter num dispositivo permanente e estável” (Cardim, 1998, p. 137) e ampliar seu alcance territorial, sempre procurando acompanhar uma forte matriz cristã. Contudo,

a segunda metade do século XVIII foi um período singular da história europeia, caracterizando-se [...], especialmente, por acalorados debates acerca do poder dos reis, da Igreja, das leis e do papel da justiça. Nos principais centros intelectuais da Europa [...] as obras de Voltaire e o livro do Marquês de Beccaria (Dos delitos e das penas) despertavam inquietações, contrarrespostas e a circulação de panfletos diversos. Em Portugal, [...] foi durante o reinado mariano que se procurou reorganizar a legislação portuguesa, assim como se verificou um ambiente intelectual mais arejado, permitindo a recepção das discussões jurídicas e humanitárias que, desde pelo menos 1760, tinham espaço entre os círculos letrados estrangeiros. (Lins Alves, 2014, p. 1)

Essas transformações, que se contrapunham à tradicional metáfora da ordem natural e ao papel ocupado por cada agente, incidiriam diretamente sobre as expectativas de d. João em relação ao papel de rei, e sobre os desafios que enfrentaria.

Filho mais novo de Maria (futura Maria I), João não era o favorito ao trono, mas passou a ser o único herdeiro após o falecimento do irmão, José. Seria, ainda, o único rei a ser aclamado fora da metrópole, em 1818. Cresceria em um ambiente onde a prática de retratar a realeza e a aristocracia já se consolidara:

Desde o desenvolvimento das retratações, retratos eram trocados entre as cortes europeias. Além disso, quando um rei ou príncipe procurava por uma esposa, retratos das noivas em potencial chegavam à corte, onde as roupas das retratadas, tanto quanto seus rostos, sofriam o escrutínio das moças da corte, que procuravam ideias para suas próprias roupas. (Ångström Grandien, 2017, p. 6)4

Curiosamente, houve uma mescla nas representações dos infantes José e João, chegando mesmo a criar quiproquós sobre quem era o infante ali representado (Knauss, 2019). Na Figura 1, vemos d. José em traje típico do século XVIII e condecorado com cruzes de duas ordens.5 A Ordem Militar de Cristo6 é a “insígnia portuguesa de cruz singela cantonada de ornatos e pendente de fita vermelha larga ao pescoço que mais se destaca pelo tamanho e posição central” (p. 81). Já a ordem espanhola do Tosão de Ouro7 está sobre o peito, do lado esquerdo do retratado, mas à direita de quem vê.8


Figura 1 – D. José, príncipe do Brasil. Autor desconhecido, data desconhecida. Óleo sobre tela, 43 cm x 34 cm. Museu Banco do Brasil. Fonte: Knauss, 2019, p. 81


Na Figura 2a, temos d. João à época de seu casamento com a princesa espanhola Carlota Joaquina, em 1785.9 Para celebrar o evento, Carlos III o nomeou para a Ordem do Tosão de Ouro. A partir de então, a insígnia desta ordem seria o símbolo central para identificar d. João em retratos (Knauss, 2019). Na tela, d. João posa com uma fita de seda bicolor, chamada “Banda das Três Ordens”, em que cada faixa representa uma ordem militar diferente. Em cima, Ordem Militar de Cristo (vermelho); no meio, a de Avis10 (verde), e, enfim, a de Santiago11 (vermelho).12 Esse quadro é complementar a uma pintura de Carlota Joaquina, funcionando como um pendant – ou seja, o retrato de d. João aparece em um camafeu preso no busto da princesa13 (Figura 2a).


Figura 2 – a) D. João, com reprise do seu retrato no camafeu de d. Carlota Joaquina. Autor desconhecido, data desconhecida. Óleo sobre tela, 97 cm x 73 cm. Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, à guarda da embaixada de Portugal em Brasília. Fonte: Knauss, 2019, p. 88; b) Dom João e Carlota Joaquina. Manuel Dias de Oliveira, século XIX. Óleo sobre tela, 91 cm x 72 cm. Museu Histórico Nacional. Knauss, 2019, p. 122; Retrato de dom João VI. Simplício Rodrigues de Sá, circa 1820. Óleo sobre tela, 70 cm x 83cm. Pinacoteca do Estado de São Paulo14


Vale observar que o olhar do retratado é frequentemente dirigido ao espectador. Ele sustenta as expectativas e os questionamentos e se apresenta como um interlocutor direto (Figuras 2a, 2b e 2c). A parte privilegiada é do tronco para cima, sempre indicando as conexões da monarquia com referência tradicionais – ordens e condecorações que reforçam o papel de príncipe e rei para garantir uma harmonia maior, seguindo as leis naturais inamovíveis. Observa-se, ainda, uma acumulação de insígnias ao longo do tempo. Na Figura 2b, embora o Tosão de Ouro esteja ausente, aparece o colar da Real Ordem da Torre e da Espada,15 além da Banda das Três Ordens. Na Figura 2c, vemos três insígnias-joia, incluindo

um hábito do Tosão de Ouro com pedras em cruz pendurado ao pescoço, as placas das Três Ordens Militares, a Ordem de Carlos III16 e a Ordem da Torre e Espada, tendo por trás o corpo envolvido em um manto de arminho. Dom João VI está em uniforme de grande gala de almirante da Real Armada, com as dragonas douradas correspondentes. O retrato é ainda enquadrado por um óculo que sugere um complemento da moldura, cuja tonalidade é variável. (Knauss, 2019, p. 140-141)

Conforme os retratos se aproximam, portanto, da data da chegada da família real ao Brasil, observa-se uma consolidação da figura de d. João com uniforme militar, de cor intimamente associada ao mundo da guerra (o azul-marinho) e com referências (cada vez mais) cintilantes às suas origens e pertencimentos tradicionais. Inclusive, durante a travessia, comparou-se a figura de João à clássica referência helênica da conquista de além-mar: “como Eneias, V. Majestade veio lançar, depois de uma longa navegação, os fundamentos de um Estado que deve ser um dia o primeiro do mundo, como Eneias, V. Majestade será proclamado o modelo dos filhos e dos reis” (Monglave, 1827 apud Rezzutti, 2020, p. 105, grifo nosso). A concepção de príncipe é entendida como um conjunto inspirador e virtuoso, pois a boa decisão traz consigo a harmonia (ainda que pelo veio militar) e serve de referência para todos os demais – deve se perpetuar no tempo, assim como o próprio regime.

Uma vez na colônia, a família real constatou que os retratos pessoais não eram prática corriqueira, sendo vinculados, quase sempre, às instituições religiosas, homenageando seus benfeitores (Dias, 2006), e a busca por artistas considerados à altura das expectativas foi trabalhosa (Knauss, 2019). Devemos parte da produção nacional à vinda da chamada missão artística francesa, da qual fizeram parte, entre outros, o aquarelista Jean-Baptiste Debret e o pintor Nicolas Antoine Taunay. A atuação da missão artística foi íntima da corte, retratando figuras da família real e registrando alguns dos seus principais eventos. Dois deles foram a chegada da família em terras brasileiras e a aclamação de d. João como rei.

Na cerimônia de recepção da família real, quando de sua chegada ao Rio de Janeiro, no Largo do Paço, havia

uma alegoria cenográfica, feita em madeira e iluminada por [...] lumes em copos de diversas cores, composta por uma série de arcos encimados por uma balaustrada adornada com vasos, pirâmides, inscrições simbólicas e versos de Virgílio. No centro da balaustrada, as armas de Portugal estavam dispostas dentro de uma esfera, que servia de apoio às armas do Senado da cidade do Rio de Janeiro. [...] Dentro do arco central, um grande medalhão com o retrato de d. João era ornado por uma grinalda de rosas. Em torno, símbolos das virtudes atribuídas ao príncipe: religião, justiça, prudência, fortaleza e magnanimidade. À sua frente, dois gênios circundavam um índio, que já nesse contexto simbolizava o Brasil. De um lado, a Ásia. Do outro, a África. Ajoelhado, coberto por um manto, calçando borzeguins e com o cocar ao chão, o índio oferecia ao soberano riquezas da terra: ouro e diamantes. Portava o coração na mão direita, também como oferenda ao monarca, dizendo: “Mais que tudo o coração…”. (Schwarcz, 2002, p. 241)

Nesta adaptação tupiniquim do Antigo Regime, o hibridismo aceitou mesclar borzeguins com um cocar, mas sempre enfatizando as virtudes clássicas da figura do príncipe. Figura essa que, aliás, passou a ser mais conhecida pela população em função da sua relativa visibilidade pública, para que o rosto do rei fosse gravado e associado à sua posição. Uma das grandes medidas da família real foi a estipulação de mais dias de festa, além de feriados e dias santos, com direito a comemorações públicas.17 Além dessas ocasiões,

as aparições públicas do príncipe d. João – nos cortejos reais ou nas procissões – convertiam-se em demarcações territoriais e vinculavam sua imagem à própria representação do império português, espalhado pelos quatro cantos do mundo e governado da colônia. (Schwarcz, 2002, p. 290)

Certamente, um dos maiores eventos foi a própria aclamação de d. João como rei, em 1818, já que a “solenidade de reconhecimento de um rei tinha a função de confirmar a relação indissolúvel entre a cabeça – o rei – e o corpo do reino, reatualizando o caráter místico e sagrado dessa união” (Hermann, 2007, p. 138). O aceite de que a cerimônia ocorresse no Rio de Janeiro não foi unânime e criou, por si, trincas na dinâmica transatlântica do Império.

Contrariamente a outras monarquias, o rei de Portugal não era coroado, mas sim aclamado, em mais uma reverência às tradições: a ausência de coroa poderia homenagear d. Sebastião, o rei que nunca voltara da guerra em Alcácer Quíbir, mas também Nossa Senhora da Conceição, declarada “soberana de Portugal” por d. João IV, em 1646, e consequentemente a única a ter direito à peça (Pegacha Pardal, 2018). A festa foi suntuosa: “a decisão pela aclamação com pompa e circunstância, mesmo tardia, parece indicar o esforço do rei para, ao mesmo tempo, manter-se distante das pressões da política europeia e reforçar o poder da monarquia portuguesa na nova conjuntura” (Hermann, 2007, p. 125-126), na qual já era definitiva a derrota napoleônica. O gesto parecia indicar, ainda, uma inversão no projeto inicial da realeza, passando a adotar o Brasil como sede da grandeza bragantina.

[A cerimônia] iniciou-se no Paço da Cidade com a chegada de d. João à grande varanda central [...]. O cortinado era adamascado. [...] D. João vestia um chapéu escuro adornado com plumas brancas e trajava roupa de gala, trazendo sobre os ombros um pesado manto de veludo vermelho em que se viam, bordados a ouro, os brasões de Portugal, Brasil e Algarve. [...] Após a aclamação da multidão, o rei se sentou e recebeu, com a mão direita, o cetro de ouro. Seguiram-se então o juramento civil, feito ao desembargador do paço, e o juramento religioso, feito ao bispo. [...] A bandeira real foi desfraldada pelo alferes-mor enquanto o rei de armas convidava a nobreza e os altos funcionários do governo a jurarem fidelidade ao novo rei. (Rezzutti, 2020, p. 105)

A aclamação se pauta por cores e referências diretas ao simbolismo da monarquia: o veludo vermelho, brasões bordados a ouro, o cetro de ouro e um chapéu de plumas brancas. Contudo, na Figura 3, Debret opta por traduzir o evento como situação popular, de forma quase republicana, demonstrando a presença de diversas categorias sociais no evento e alocando o rei ao fundo. Ele é reconhecível em função do peso e do volume do seu manto, da pluma do chapéu, além de ser o único sentado. Nessa aquarela, o rei não tem rosto: é apenas símbolo.


Figura 3 – Aclamação de dom João VI do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Jean-Baptiste Debret, 1834. Biblioteca Mário de Andrade, São Paulo



Figura 4 – a) Retrato de d. João VI. Jean Baptiste Debret, s.d. Museu Nacional de Belas Artes; b) Portrait de Louis XIV en costume de sacre. Hyacinthe Rigaud. Óleo sobre tela, 1701;18 c) Louis XVI, Roi de France et de Navarre, revêtu du grand costume royal en 1779. Antoine-François Callet. Óleo sobre tela, 1789;19 d) Retrato de Napoleão no campo de batalha de Wagram. Joseph Chabord, 1810. Museu Napoleoniano de Roma20


Apesar dessa postura de quase sublimação do indivíduo à função, a Figura 4a recapitula diversas referências do Antigo Regime. É um dos retratos mais conhecidos de d. João VI de pé e segue basicamente a mesma composição de três retratos: o de Luís XIV, por Rigaud, em 1701 (Figura 4b); o de Luís XVI realizado por Callet em 1789 (Figura 4c); e o de Napoleão, por Gérard, em 1805, que deu origem à tapeçaria que vemos na Figura 4d. Dom João aparece com um rosto simpático e confiante, ressaltado pelo cabelo empoado, e envolto no volumoso “manto real de esferas armilares, castelos e quinas, bordados a ouro sobre veludo escarlate, cetim azul de França, fios de lhamas douradas e prateadas” (Knauss, 2019, p. 147). Além disso,

sobre o manto, veem-se os colares da Ordem do Tosão de Ouro de Espanha e da Real Ordem da Torre e Espada. Por debaixo dos colares, seis placas, na primeira fila as das Três Ordens militares de Portugal e de Carlos III de Espanha. Mais abaixo, na fila do meio, as placas da Real Ordem da Torre e Espada, tendo à esquerda a placa da Ordem de Isabel a Católica de Espanha.21 Abaixo, à esquerda, a placa da Ordem da Legião de Honra22 restaurada por Luís XVIII da França, com a efígie de Henrique IV (oferecida em 1817), e à direita a placa da Ordem da Coroa de Ferro da Áustria23 (também de 1817). [...] Além das tradicionais bandas de seda de grã-cruz das ordens atravessadas no peito, a última banda de cor amarela revela ser da Ordem de Isabel a Católica de Espanha. [...] Nesse jogo de insígnias do rei inscreve-se um quadro da inserção de Portugal nas relações internacionais. Além de confirmar a aliança dinástica com a Espanha e militar com a Inglaterra, afirma-se no contexto da Restauração pós-napoleônica a identidade da coroa portuguesa com as tradicionais monarquias de Espanha, França e Áustria. (Knauss, 2019, p. 147)

Assim, a pintura de Debret recapitula toda a lógica consolidada ao longo dos anos anteriores de retratos de d. João enquanto príncipe e regente. Essa referência consolidaria uma “maneira de retratar o regente” nos anos seguintes.

Apesar de tantos esforços, na dimensão pictórica, para consolidar a imagem joanina junto às virtudes do Antigo Regime, e mesmo a associá-la, em termos de composição, ao fausto absolutista, as instabilidades políticas e sociais se aprofundavam. Por uma série de motivos, o retorno da família real a Portugal era cada vez mais reivindicado; a demora em tomar decisões (traço frequentemente atribuído a d. João) contribuiu para a chamada Revolução do Porto e para uma nova complexificação do cenário luso-brasileiro.

Não cabe, aqui, retomar em detalhe os eventos que eclodiram no processo de Independência e nos seus muitos ajustes; basta trazermos os retratos do futuro Pedro I, que, inclusive, foi representado lado a lado ao pai, também por Debret (Figura 5a).


Figura 5 – a) Retratos de d. João VI e d. Pedro I. Jean-Baptiste Debret, século XIX. Fonte: Dias, 2002, p. 248; b) Dom Pedro na infância. Jean-François Badoureau,24 circa 1821. Palácio Nacional de Queluz; c) Retrato de dom Pedro I. Simplício de Sá, circa 1830. Óleo sobre tela, 71 cm x 58 cm. Museu Imperial


Figura 6 – a) Coroação de d. Pedro I. Jean Baptiste Debret, s.d.;25 b) Retrato de Napoleão I. Tapeçaria realizada pela Manufacture Nationale des Gobelins a partir do quadro do Atelier de François Gérard. Lã, seda, fio de prata. 222,3 cm x 146,1 cm. Desenhada em 1805, fiada entre 1808-1811. Metropolitan Museum of Art26


Figura 7 – a) Coroação de Napoleão I. Jacques-Louis David (1808). Museu do Louvre;27 b) Coroação de dom Pedro I. Jean-Baptiste Debret. Aquarela, 182828


Figura 8 – Botas de Napoleão I. Coleção particular. Fonte: Bossan, 2004, p. 58


A estética do comando como molde do Império brasileiro

A moda serve para moldar a nobreza do império.

Bourquin (2021)


Com a Independência do Brasil nascia um novo Império. No cerne da sua aparição estava uma disputa entre uma monarquia soberana e um governo popular e representativo. Afinal, instituiu-se um regime com tendências liberais e forte apreço pela Constituição redigida.29 Nesse sentido, podemos aproximar a solução instituída da noção de “império civil”, que estava sendo desenvolvida em Portugal desde o fim do século XVIII (Oliveira, 2005, p. 52-53).

Já em 1770, o teólogo Antonio Ribeiro dos Santos avalia que “o sumo poder do imperante civil é o direito absoluto de moderar e dirigir, indistintamente, as ações de todos os membros dos seus corpos políticos, em prol da utilidade comum dos cidadãos” (Santos, 1770 apud Oliveira, 2005, p. 46). A Igreja é, assim, excluída do cenário de decisão política, em contraponto com o regime anterior, em que a sua participação oscilou muito ao longo das épocas. Deixando de lado a ideia de justiça como aplicação da harmonia sobre-humana, a dimensão civil “supõe uma supremacia como governo moral, que se viabilize pela inspeção das condutas de todos os homens do reino e que deva garantir os meios para coagir nas diferentes instâncias de governo (independentemente do seu fim)” (Oliveira, 2005, p. 47). A figura de decisão se destaca pela sua particularidade moral; não é mais um regente de uma orquestra maior, mas um indivíduo cuja conduta se associa às dos demais.

Mas quem era o imperador? Pedro podia ser entendido como um príncipe dotado de formação clássica bastante irregular (Lustosa, 2006; Rezzutti, 2020). Em contrapartida, apreciava grandemente as atividades físicas, consagrando-se no senso comum como “rapaz [...] malcriado e irresponsável, mulherengo e farrista, briguento e fanfarrão que, como disse um visitante estrangeiro, tinha modos de moço de estrebaria” (Lustosa, 2006, p. 11).

Em 1817, casou-se por procuração com a princesa Leopoldina de Habsburgo. Durante o noivado, Leopoldina recebera

um retrato do príncipe em miniatura, cercado de diamantes e preso a um colar também de diamantes. Em carta de 9 de abril de 1817 à irmã Maria Luísa, ela comentou: “Acabo de receber o retrato do meu mui amado dom Pedro, não é excepcionalmente bonito, mas tem olhos maravilhosos e um belo nariz, mas seus lábios são ainda mais grossos que os meus”. Seis dias depois, o tema foi retomado: “O retrato do príncipe está me deixando transtornada, é tão lindo como um Adônis [...] ele todo atrai, tem expressão de ‘eu te amo e quero te ver feliz’ [...]. Já estou completamente apaixonada, o que será de mim quando vir o príncipe todos os dias?”. (Rezzutti, 2020, p. 90)

De fato, ao contrário dos pais, Pedro é descrito como uma criança bonita – chega a ser comparado a “uma pomba em meio a corujas” (Abrantes, 1902 apud Rezzutti, 2020, p. 51).

Mais do que bonito ou feio, Pedro se encontra no meio de duas dinastias – a dos Bragança, por parte de pai, e a dos Bourbon, por parte de mãe. A tomada de posição entre os filhos de João e Carlota traria contornos definitivos a questões políticas, inclusive a decisão de quem herdaria o que. Na Figura 5b, vemos dom Pedro ainda criança e já retratado com as mesmas estruturas simbólicas do príncipe, nos moldes do Antigo Regime.

Quando d. João retorna a Portugal, Pedro permanece como seu lugar-tenente. Podemos pensar se a Figura 5a não ilustra um ponto de partida quase conjunto para essa nova nação, amenizando a ruptura em relação à outrora metrópole, em que ambos são retratados com praticamente a mesma estrutura de referências – uniforme militar, faixa de seda, insígnias-joia. O que os diferencia é a direção do olhar (e ambos evitam o espectador). Já na Figura 5c, o mesmo Simplício de Sá que retratou o pai agora se debruça sobre o filho, atualizando os mesmos símbolos – a faixa colorida, as dragonas e as insígnias. Contudo, podemos entender o aspecto militar do imperador como o grande diferencial entre o espírito do Antigo Regime e esse novo arranjo de império civil, liberal e constitucional.

Como vimos, a própria noção de “império civil” pediria uma participação decisória do imperador, marcada por percepções individuais. Sem dúvida, o aspecto tático militar era uma das facetas em que o raciocínio de um líder seria mais evidenciado:

O novo imperador é caracterizado [...] como “ligado aos interesses da nação” e “defensor da Constituição” [...]. Sendo parte da nação, está fortemente atado aos seus anseios e destinos. Pode comandá-la para a sua felicidade, porque tomou para si os ideais deste povo e dirige-o na sua busca de liberdade e afirmação de seus direitos. Daí o imperador ser também o “defensor da Constituição”, como aquele que se coloca na linha de frente da batalha, disposto a lutar contra as forças inimigas em prol da proteção dos direitos de seus povos: “direitos invioláveis” a serem transcritos na Constituição. (Oliveira, 2005, p. 53-54)

Como lugar-tenente, Pedro dispunha de autonomias de guerra, o que já o habilitava a apresentar uma certa “postura própria de decisão”. O grande referencial de imperador era, à época, ninguém menos que Napoleão, que pauta a posição de Pedro como “príncipe americano, [...] influenciado pelo palavreado político liberal da Revolução Francesa” (Lustosa, 2006, p. 11-12). A Figura 5c apresenta praticamente as mesmas cores do retrato napoleônico de Chabord; contudo, o futuro imperador brasileiro nos encara de forma cândida, enquanto o francês aponta assertivamente para uma direção.

Essa aproximação da “vertente militar” como um espaço de expressão individual da visão de reino fica particularmente clara na coroação de Pedro, em 1822. Ele “apareceu vestido com uma túnica de seda verde, calçado de botas de montaria com esporas e ostentando um manto de veludo verde em forma de poncho, forrado de cetim amarelo, bordado de estrelas e com uma guarnição de ouro” (Schwarcz, 2002, p. 390). Além disso, Pedro assumiu a coroa, típica de quem sente o peso das decisões sobre si próprio; ela se assemelha também a uma mitra papal, sugerindo que o poder lhe tivesse sido atribuído pela Providência. Na postura, entende-se Pedro com uma segurança e um domínio análogos aos de Napoleão (Figura 7b).

As botas traduzem não apenas um rigor, enfatizando a liderança do Head of the Army, como a rudeza de um regime rural entranhado desde a época colonial.30 Assim,

não é apenas o fato de d. Pedro I estar vestido com o uniforme militar que permite aludir à imagem do rei-soldado, mas também as insígnias que levava consigo, permitindo compor a cena do imperador indo para a batalha, “marchando à sua frente com a tábua da Lei em uma mão, e noutra com a vara da Justiça”, isto é, a Constituição e o cetro. (Oliveira, 2005, p. 54)

Mais uma vez, o grande ilustrador do evento da coroação foi Debret, que não por acaso fora discípulo do mesmo David que retratou a coroação napoleônica (Figura 7a). Na cerimônia, Pedro recebe um poder que “ultrapassa o julgamento humano e não podia ser questionado pela Assembleia Constituinte” (Oliveira, 2005, p. 57). Vemos Pedro com as mesmas roupas da Figura 6a, em local de destaque e em meio à solenidade: recebe as honrarias de Lúcio Soares Teixeira de Gouveia.31 Debret pintou o novo imperador em formas bastante favoráveis, e

a imagem do soldado pronto para o conflito está presente no cerimonial, pois d. Pedro veste o uniforme militar sob o manto real: assim desfilou o imperador no cortejo até a igreja e apresentou-se durante o cerimonial. O seu poder político sustenta-se, então, na imagem de um governo protetor, em que desponta a ideia de defesa dos direitos constitucionais – contrastante com a imagem setecentista do rei-salvador do reino e da alma de seus súditos, conforme a ideia de imperium utilizada naquela época. (Oliveira, 2005, p. 54)

Assim, a noção de um império “liberal” passava por um maior protagonismo de todos os agentes, a começar pelo imperador. Ao mesmo tempo responsável por um poder que extrapolava a humanidade e restrito pelas ações constitucionais, a verdadeira marca do regente diria respeito às suas decisões e à visão de mundo que pretendia deixar. Pedro se reveste de verde, amarelo e penas de tucano – mas o destaque persiste nas botas. Com elas, o imperador pode, ao mesmo tempo, comandar, oprimir e montar estratégias. A figura de Pedro se encaixa num espaço dotado de mais valores liberais e, ainda, de destaque do cenário de combate. Eram grandes as expectativas para o novo império.

O Primeiro Reinado duraria, porém, apenas nove anos. Seus principais desafios dialogariam justamente com as novas dinâmicas entre Brasil e Portugal, inclusive com o reconhecimento da Independência. A criação do novo regime não teria uma adesão unânime e seria palco de grandes debates – quais as melhores escolhas políticas? Que estruturas e limites deveriam ser implementados (Lustosa, 2006)? Como fazer valer as visões plurais da população? Disputas variadas, a começar pela territoriais, explicitavam as crises institucionais e a fragmentação do processo de “ser um país”.

Conflitos e revoltas eclodiram em diversos níveis, questionando os pilares imperiais: centralidade de território, concentração de poderes em figuras claras, expansão para demais regiões. Algumas províncias se opuseram à Independência, fosse por afinidade com a causa portuguesa (como no caso do Maranhão e do Grão-Pará) ou por intenção de resistir ao que entendiam como exploração lusitana (como no caso da Bahia). Do sul do país veio a disputa com a Argentina, que reivindicava a província Cisplatina como pertencente ao antigo Vice-Reinado da Prata (Martins, 2010). Finalmente, a Confederação do Equador seria o caso mais radical de protesto separatista do Império, tendo sido violentamente reprimida em 1824 (Pandolfi, 2007).

Além das causas territoriais, a pauta do abolicionismo e as questões econômicas traziam mais complexidade ao cenário brasileiro.32 Dessa forma,

os [...] anos de reinado de d. Pedro foram anos de divisão: divisão do país, entre os portugueses aqui estabelecidos e os naturais; divisão de ideais, entre os que apostavam num modelo mais liberal (com suas numerosas variações) e os que preferiam a forma absolutista. D. Pedro viveu aqueles anos também dividido. (Lustosa, 2006, p. 138)

Internamente, a organização constitucional não chegava a consenso. Com a primeira Assembleia Constituinte, organizada em maio de 1823, discutiu-se o papel do monarca em muitas configurações – inclusive por conta da dubiedade da posição de Pedro I, que era, ao mesmo tempo, monarca brasileiro e herdeiro do trono português. Pedro I dissolveu a assembleia em 12 de novembro do mesmo ano, numa “forma encontrada pelo imperador para garantir sua autoridade dentro de um arranjo de Estado constitucional” (Miranda Florindo, 2020, p. 176).

Após a dissolução, Pedro I nomeou outro conselho, cujo trabalho resultou na outorga de uma Constituição em 24 de março de 1824,33 instituindo uma centralidade do Executivo e um poder moderador, de uso exclusivo do imperador. Aí estava mais um passo na sua postura como “déspota liberal que queria outorgar com as próprias mãos a liberdade” (Lustosa, 2006, p. 138).

A atuação de Pedro I estava, portanto, perto do absolutismo em seus ideais, mas com francos desgastes junto à população, e tentava, sem sucesso, agradar a dois senhores: ao liberalismo, porém com tradição absolutista; à nova nação, porém sendo herdeiro do trono luso. Mesmo as cores que trajava na coroação sugeriam dilemas e dubiedades. Afinal, o verde e o amarelo que seriam tão característicos do Brasil também podiam remeter, respectivamente, às casas de Bragança e Habsburgo, em homenagem a Pedro e sua esposa, Leopoldina. As botas militares enfrentavam fracassos: a Cisplatina seria cedida em 1828; os sucessivos levantes abririam feridas na imposição geopolítica do Império; e os impasses na questão sucessória em Portugal trariam novos conflitos.34


Figura 9 – Pedro I entrega a carta ao Major Frias. Aurélio de Figueiredo, óleo sobre tela, 191035



Figura 10 – a) D. Pedro, duque de Bragança. Cópia do retrato realizado por John Simpson em óleo sobre tela (1834). Palácio Nacional de Queluz; b) D. Amélia de Beauharnais Leuchtenberg, duquesa de Bragança, com retrato de Pedro I no camafeu. Sem autor, século XIX. Palácio Nacional de Queluz


Além disso, construía-se uma estrutura liberal de diálogo com o Executivo na forma do Legislativo e, ainda, de uma opinião pública pautada na imprensa (Pandolfi, 2007). Cabia ao imperador lidar não apenas com o povo, mas, cada vez mais, com um ente público e com espaços de expressividade, ainda que reprimidos. Frente aos desgastes, já em 1831 o governo aparecia como impopular; a Noite das Garrafadas, confronto entre brasileiros e portugueses no Rio de Janeiro (Ribeiro, 2000), marcaria seu ponto de não retorno.

Incapaz de equilibrar as diversas tensões em curso, Pedro I abdicaria em prol do filho, também chamado Pedro. Não por acaso, na Figura 9, ele apresenta sua carta de renúncia com um uniforme militar, mas com calças civis e sem botas. Cessam as pretensões napoleônicas; o novo herdeiro está praticamente despido e ainda é jovem demais para assumir o trono. As Figuras 10a e 10b apontam, ainda, uma reprise de valores caros ao regime anterior, com a retomada da Banda das Três Ordens e das condecorações, além da estrutura em pendant, onde o retrato de Pedro aparece no camafeu usado por Amélia, sua segunda esposa.36 O estilo das pinturas reforça, assim, o vaivém das dinâmicas políticas.

Conclusão: o retrato além do rosto

A obra vai além do rosto: abrange, na escolha de indumentária, representações finas de intenções, tradições e dos indivíduos ali consagrados. Durante o Antigo Regime, enquanto “cabeça” do corpo delineado pela ordem natural identificada à época, o príncipe tinha como principal função “garantir em seu reino a manutenção do exercício dos direitos e deveres, dando a cada corpo social o que ele merecer, dentro de seu papel na sociedade” (Souza Cardoso; Tadeu Santos, 2021, p. 492). Assim,

de acordo com a teoria corporativa do poder e da sociedade, a função suprema do rei era “fazer justiça” – i.e., garantir os equilíbrios sociais estabelecidos e tutelados pelo direito –, do que decorreria automaticamente a paz. A justiça era, portanto, não apenas uma das áreas de governo, mas a sua área por excelência (remota iustitia, regna latrocinia [abandonada a justiça, os reinos são organização de ladrões], havia escrito S. Agostinho, Civ. Dei., 4,4). (Hespanha, 2006 apud Macedo, 2010, p. 6.154, grifos do autor)

Para isso, o príncipe lidava com várias dimensões do poder: a humana, a da ordem natural e da criação, mas também a política e a militar, e os símbolos traduzem essas diversas frentes. A representação joanina adere a tais lógicas e procura reproduzi-las durante as diversas fases de vida do retratado, inclusive na transposição do Império para a então colônia brasileira.

Contudo, com a Independência e a proposta de um império constitucional, consolidam-se diversos símbolos do conceito de “império civil”, em particular o peso militar como expressão do protagonismo individual do imperador. Assim,

a imagem do imperador como defensor constitucional reúne tanto o caráter de realizador dos desígnios divinos através do poder político – aproximando-se esta imagem daquela outra, setecentista, do rei-salvador – quanto o de representante da vontade dos povos que elegeram d. Pedro, segundo uma terminologia coerente com o ideário da Revolução Francesa. (Oliveira, 2005, p. 56)

Essa perspectiva, de início fortemente balizada no modelo napoleônico de comando, se transformaria com o andamento do Primeiro Reinado, até a abdicação de um imperador já desgastado frente à oposição liberal, à opinião pública e ao Exército.

Dessa forma, os retratos de pai e filho traduzem aspectos regenciais muito diferentes, não só na função do príncipe e do retrato em si, mas também nas intenções de governo. Essas questões foram tomadas em disputa por diversos âmbitos, inclusive o da arte pictórica, onde a visão dos artistas, assim como as metáforas que amalgamam poder e corpo, se revelam através das ilustrações. No conjunto de indumentárias, as insígnias e faixas dão lugar a símbolos mais diretos do papel divino na atribuição de poder, e do ritmo militar de construção imperial. O poder e os sentidos de regência se transferem, assim, da cabeça aos pés.

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SOUZA CARDOSO, José Rubens de; SANTOS, Marcelo Tadeu. O reino português “para a maior glória de Deus”: pensamento político nas cartas de Padre António Vieira. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 7, n. 4, p. 485-512, abr. 2021. Disponível em: https://periodicorease.pro.br/rease/article/view/981/464. Acesso em: 28 fev. 2022.

Recebido em 28/2/2022

Aprovado em 6/5/2022


Notas

1    Embora a nomenclatura “Antigo Regime” se associe diretamente ao caso francês, podemos entendê-la como uma categoria que também recebia variações e adaptações e que se aplica a outros espaços, até ser violentamente confrontada a partir do fim do século XVIII.

2    Diante da alta demanda, por vezes, artistas menos (re)conhecidos se atinham mais ao ideal, sem nunca terem encontrado com o monarca (Knauss, 2019).

3    Para Hespanha (2001, p. 166-167), a monarquia portuguesa passou a ser caracterizada como “corporativa, em que: o poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor hierarquia; o direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina jurídica (ius commune) e pelos usos e práticas jurídicos locais; os deveres políticos cediam perante os deveres morais [...] ou afetivos, [...]; os oficiais régios gozavam de uma proteção muito alargada dos seus direitos e atribuições [...]”.

4    Toda tradução é nossa, a menos que assinalado.

5    As ordens militares derivam das primeiras cruzadas, quando “àqueles que lutavam em nome do Deus cristão era prometida a remissão de pecados e admissão imediata no reino dos céus, na eventualidade da morte em combate” (Mosconi Ruy, 2011, p. 2.544). No século XII, “um grupo de cavaleiros [...] se compromete [...] a seguir uma vida de cônegos regulares e a proteger as caravanas de peregrinos” (Almeida e Cunha, 2009, p. 7), criando a Ordem do Templo, em referência ao Templo de Salomão.

6    Fundada em 1318 pelo rei d. Dinis e confirmada pelo papa João XXII em Avignon, em 1319, pela bula Ad ea ex quibus. Pretendia substituir a Ordem do Templo, extinta em 1311 pelo então papa Clemente V. De início, o papa aparecia como seu soberano. Posteriormente, a Coroa portuguesa passou a controlá-la inteiramente, garantindo-lhe inclusive um poder administrativo sobre os territórios conquistados. Ver: https://www.ordens.presidencia.pt/?idc=120. Acesso em: 28 fev. 2022.

7    Fundada em 1429 por Filipe III, dito o Bom, na ocasião de seu casamento com Isabel de Avis. De início, pretendia defender a fé cristã e a cavalaria, seguindo os princípios gerais das ordens militares. Hoje, é puramente decorativa (Houart; Benoît-Jannin, 2006).

8    A confirmação de que se trata mesmo de d. José, e não de d. João, vem da localização das insígnias e do comparativo com outros retratos.

9     A união tinha sido dupla: além deste matrimônio, a irmã de João, Mariana, casava-se com o infante Gabriel Antonio de Bourbon, filho de Carlos III. As alianças reforçavam um posicionamento ibérico consolidado.

10     Uma das ordens militares mais antigas de Portugal; suas origens remontam ao século XII e se ligam diretamente à dinastia homônima (Almeida e Cunha, 2009).

11     Fundada no século XII, remete ao padroeiro da Espanha e procurava, de início, retirar a região ibérica da dominação moura, durante a chamada Reconquista (Rosário; Reis, 2015).

12     Em 1796, d. João seria condecorado, também por Carlos III, com a Ordem de Nossa Senhora da Conceição, que não aparece na pintura. No mesmo ano, a Ordem de Santiago substituiria a cor vermelha pela violeta. Isto nos permite estimar o período de realização do retrato entre 1789 e 1796, antes das duas alterações.

13     Knauss (2019) coloca a possibilidade de o par de retratos ser obra do italiano Giuseppe Trono ou de alguém do ateliê do pintor.

15     Ordem cujas origens remontam aos cavaleiros que procuraram conquistar o território africano, mas cuja estrutura é pouco conhecida hoje. Detinha importância para d. João VI, à medida que por ele foi “restabelecida” em 1808. Ver: História da Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito. Disponível em: https://www.ordens.presidencia.pt/?idc=117. Acesso em: 16 maio 2022.

16     Ordem criada pelo rei Carlos III da Espanha, em reconhecimento àqueles que realizaram bons serviços ao país (Barros Ximenes, 2018). Tinha por lema “virtuti et merito”.

17    Schwarcz sublinha que “as festas [...] se convertiam em rituais políticos endereçados ao povo [...] [dando] visibilidade ao soberano e estabeleciam-se vínculos com a nova realidade política. [...] O episódio do 7 de setembro [...] foi pouco noticiado pela imprensa. [...] Era hora de tornar a data “memorável”, reconhecer o poder instituído, e não por acaso se atrelou [...] o grito de “Independência ou morte” à figura de d. Pedro: agora identificado ao ato fundador, seu verdadeiro protagonista” (2002, p. 371-372).

21    Ordem civil que condecorava os responsáveis por bons serviços à nação espanhola (Ceballos-Escalera y Gila, 2015).

22    Ordem francesa estabelecida por Napoleão Bonaparte, que condecora os responsáveis por bons serviços à nação francesa. Ver o site oficial da Légion d’Honneur: https://www.legiondhonneur.fr/. Acesso em: 16 maio 2022.

23    Ordem restabelecida pelo imperador Franz I da Áustria, a partir da referência do reino napoleônico da Itália. Garantia nobreza para seus condecorados (Blom, 2003).

24    Disponível on-line em: http://www.historia.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=970&evento=5. Acesso em: 28 fev. 2022.

26    Disponível on-line em: https://www.metmuseum.org/art/collection/search/199313. Acesso em: 16 fev. 2022.

29     A ideia de um império brasileiro não era recente, e os movimentos da família real para permanecer no continente americano davam indícios do seu interesse em adaptar a grandeza bragantina para outros espaços.

30     Seu uso duro se explicita em casos como o de Gertrudes Maria do Nascimento, em São Paulo, em 1790. Gertrudes sofria maus tratos do marido, que a ameaçava e agredia, mesmo grávida. Tais fatores a levaram ao pedido de divórcio. Neste, “uma testemunha [...] alegava ter visto ‘muitas repetidas vezes [o marido] perseguindo-a com coices e pancadas com as mesmas botas que trazia calçadas [...]’” (Del Priore, 2009, p. 56).

31     Então presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro.

32     A negociação do reconhecimento da Independência por Portugal exigiu, inclusive, que o governo brasileiro assumisse a dívida portuguesa de 1,4 milhão de libras esterlinas, contraída junto à Inglaterra (Lustosa, 2006, p. 166).

33     Miranda Florindo (2020) sublinha a relevância do papel das câmaras municipais na estrutura da Carta de 1824, modelo que reforçava a velha política, tal como organizada antes da Independência.

34    D. João VI faleceu em 1826, sem indicar um nome explícito para seu “legítimo herdeiro”. Pedro I, que assumiria como Pedro IV em Portugal, cedeu a coroa à filha, Maria da Glória, sob a condição de que ela casasse com o tio, Miguel, e que se aceitasse o esboço de Constitução já redigido para o país. Contudo, Miguel agiu com um golpe contra a sobrinha, o que desencadeou um conflito civil.

35    Disponível on-line em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Abdicacao_Pedro_I_do_Brasil.jpg. Acesso em: 15 maio 2022.

36     Embora as obras sejam posteriores a 1831, foram incluídas por conta da reprise do formato em pendant, espelhando a dinâmica das pinturas de d. João e d. Carlota Joaquina apresentadas na Figura 2a.



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