Acervo, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, jan./abr. 2022

Perspectivas em humanidades digitais | Dossiê temático

Por uma teoria da editorialização

Towards a theory of editorialisation / Por una teoría de la editorialización

Marcello Vitali-Rosati

Doutor em Literatura Francesa pela Université Paris Sorbonne, França. Professor do Departamento de Literatura Francesa da Université de Montreal, Canadá.

marcello.vitali.rosati@umontreal.ca

Resumo

O “fato digital” tem sido objeto de muitas interpretações em diferentes disciplinas: dos estudos midiáticos às ciências da informação e da comunicação, sociologia, psicologia, ciências políticas, e assim por diante. Este artigo parte do conceito de editorialização para propor uma teoria filosófica do mundo na era digital.

Palavras-chave: teoria das humanidades digitais; editorialização; filosofia; espaço digital.

Abstract

The “digital turn” has been the object of many disciplinary interpretations: from media studies to the information and communication sciences, sociology, psychology, political sciences, and so on. This paper starts from the concept of editorialisation to propose a philosophical theory of the world in the digital age.

Keywords: theory of the digital humanities; editorialisation; philosophy; digital space.

Resumen

El “giro digital” ha sido objeto de muchas interpretaciones en diferentes disciplinas: desde los estudios de los medios de comunicación hasta las ciencias de la información y la comunicación, pasando por la sociología, la psicología y la ciencia política. Este artículo parte del concepto de editorialización para proponer una teoría filosófica del mundo en la era digital.

Palabras clave: teoría de las humanidades digitales; editorialización; filosofia; espacio digital.

O fato digital tem sido pensado e interpretado durante décadas a partir de múltiplas perspectivas disciplinares: dos estudos de mídia – na continuidade do trabalho de McLuhan (1966)1 – às ciências da comunicação e da informação – que a instituição francesa congrega, produzindo pontos de vista e metodologias originais e únicos2 – passando pela sociologia, psicologia, ciências políticas etc. Isso não é surpreendente se considerarmos – com Milad Doueihi (2011) – que, longe de representar uma simples mudança nas ferramentas, o “digital” pode ser pensado como um fenômeno cultural no sentido mais amplo, afetando toda a nossa vida e colocando em questão a totalidade de nossas categorias conceituais.

A expressão “humanidades digitais” pode de alguma forma servir para dar sentido a essa universalidade do fato digital: trata-se de compreender qual o lugar das humanidades na era digital.3 A mesma universalidade é tema igualmente de uma abordagem filosófica: para além de qualquer especificidade disciplinar, o questionamento filosófico procura compreender um fenômeno ou um fato em todas as suas implicações. Para isso, a abordagem filosófica dispõe-se a questionar todo pressuposto conceitual, metodológico e terminológico e, portanto, também disciplinar.

O que proponho aqui é uma abordagem puramente filosófica do fato digital. Nesse sentido, não se trata tanto de dar uma definição ao conceito de editorialização, mas de propor uma teoria da editorialização no sentido de uma teoria geral do mundo na era digital. Uma filosofia, portanto, não “do digital”, pois o objeto da filosofia só pode ser universal. Ao contrário, uma filosofia “na era digital”.

Tentarei demonstrar nestas páginas de que modo tal teoria pode ser desenvolvida com base no conceito de “editorialização”.

Após aproximadamente 15 anos, esse termo vem ganhando popularidade na comunidade científica, no interior de disciplinas diversas – das ciências da comunicação à literatura, da sociologia à filosofia. O conceito surgiu pela primeira vez em 2004 em um artigo de Brigitte Guyot (2004), que o utiliza para se referir tanto ao dispositivo de mediação entre uma informação e seus usuários, quanto ao próprio processo de mediação. Em 2007, Bruno Bachimont o retoma (Bachimont, 2007) em um capítulo de A indexação multimídia [L’Indexation multimídia] intitulado “Novas tendências aplicativas: da indexação à editorialização” [Nouvelles tendances applicatives: de l’indexation à l’éditorialisation], em que ele discute as características da indexação através do que chama de “editorialização”. Também em 2007, Manuel Zacklad, com o objetivo de “distinguir diferentes tipos de documentarização de acordo com a divisão do trabalho editorial” (Zacklad, 2007), assimila a editorialização ao que ele chama de “documentarização editorial”, quer dizer, o papel representado pela função editorial na produção de um documento. Em 2008, Gérard Wormser e eu criamos o laboratório “Práticas interdisciplinares e circulação do saber: em direção a uma teoria das ciências humanas e sociais” [Pratiques interdisciplinaires et circulation du savoir: vers une éditorialisation des SHS] na Maison des Sciences de L’homme Paris-Nord.4 Apesar do sucesso, ou talvez por causa dele, o termo é usado de várias maneiras, inclusive contraditórias. Este artigo procura especificar o sentido que o termo “editorialização” adquire no âmbito de uma abordagem filosófica do fato digital e mostrar de que maneira esse conceito pode ser o ponto de partida para uma teoria geral do digital.5

Essa teoria tem por ambição questionar em particular duas oposições que percorrem a história do pensamento: aquela entre ser e saber e aquela entre homem e máquina. As duas oposições parecem hoje particularmente problemáticas: em ambientes digitais, é de fato muito difícil separar os dois polos de cada uma delas. A teoria da editorialização deseja ir além desses dualismos, questionando seus próprios fundamentos. Para isso, ela se insere em uma longa tradição,6 cujo ponto de partida – embora um tanto arbitrário7 – pode ser identificado com a construção das primeiras grandes bibliotecas durante o período helenístico.

O sonho do conhecimento total

Estando à frente da biblioteca do rei, Demétrios de Phalerus tinha recebido muitos recursos para reunir, na medida do possível, todos os livros do mundo.8

Reunir todos os livros do mundo, um sonho que percorre toda a nossa história, é uma obsessão milenar. O pseudo Aristaeus fala disso em carta do século II a.C. – muito conhecida por ser a primeira fonte a falar da tradução da Bíblia pela Septuaginta. A Biblioteca de Alexandria – fundada no século III por Ptolomeu I Sóter – é uma das encarnações desse que foi um dos sonhos que mais marcaram o imaginário coletivo. Um sonho que desapareceu sob as chamas que, ainda no imaginário coletivo, destruíram a biblioteca. O incêndio, cuja impossibilidade foi demonstrada por Canfora (2015), provavelmente tem apenas a função de limitar a arrogância [hybris] do conhecimento absoluto, de colocar os homens em seu lugar, de afastá-los da divindade.

O projeto da biblioteca universal almejava juntar todos os livros do mundo a fim de possuir a totalidade do conhecimento. Mas possuir os livros não era suficiente: eles também tinham que ser organizados. O período helenístico foi profundamente marcado pelo desejo de hierarquização e catalogação. Herdeiros de Aristóteles, os intelectuais de Alexandria eram obstinados pela organização do conhecimento. Foi a época em que surgiram as antologias, das quais uma das mais conhecidas é provavelmente a Coroa, de Meleagro, a antologia de epigramas que forma o coração do que será a Antologia grega. O intelectual não só reúne textos, mas também os organiza, elabora cuidadosamente a disposição e a organização, como se estivesse trançando uma coroa de flores. O preâmbulo da Coroa, de Meleagro, traz esta metáfora: “quem trançou esta coroa de poetas?”.9 Cada poeta está associado a uma flor, e Meleagro, como um artista floral inteligente e engenhoso, conseguiu reuni-los para criar um todo coerente.

Reunir o conhecimento e organizá-lo é o sonho do qual Alexandria é uma das manifestações. A biblioteca, como mostra Canfora, é tanto o edifício onde os livros são guardados quanto os próprios livros: na verdade não há um só edifício dedicado aos livros, eles se encontram em um edifício pré-existente.10 A arquitetura-biblioteca é feita pelos livros. É o início de um processo de fusão entre arquitetura e conhecimento: o conhecimento é organizado como se organiza a construção de uma casa. A organização material dos livros corresponde à organização do saber. Pode-se dizer que Alexandria é um exemplo de “design do conhecimento” [knowledge design], para usar a expressão de Jeffrey Schnapp (2011), ou então do que poderia ser definido como uma “arquitetura do conhecimento”.11

O projeto titânico de organizar todo o conhecimento humano em um todo coerente e estruturado é a base – dois mil anos depois – do projeto enciclopédico imaginado por Diderot e d’Alembert. Sobre essa obra, “que um dia deve conter todo o conhecimento dos homens”, os dois editores afirmam que “se os antigos tivessem realizado uma enciclopédia, como realizaram tantas coisas importantes, e se este manuscrito tivesse escapado sozinho da famosa Biblioteca de Alexandria, ele teria sido capaz de nos consolar pela perda dos outros”. A ligação com a grande biblioteca está aí. A Enciclopédia é uma biblioteca, como repetidamente afirmam seus editores – “esta obra poderia servir a um homem do mundo como biblioteca, em todas as suas formas”.12 É uma biblioteca, porque reúne a totalidade do conhecimento, organizando-o de forma estruturada. Reproduz a arquitetura do conhecimento representada pela biblioteca. Uma árvore do conhecimento precede os verbetes do dicionário, que procuram reproduzir essa arquitetura do conhecimento desafiando a ordem alfabética através do uso generalizado de “referências cruzadas” entre os artigos. A função dessas referências cruzadas, como aponta Melançon (2004), é mais simbólica do que prática: o leitor da época teria tido dificuldade em aproveitá-las, porque sua forma era irregular, muitas vezes se referiam a artigos que ainda não tinham sido publicados, além de os volumes da Enciclopédia serem muito pesados. As referências cruzadas não servem exatamente para que o leitor “navegue” através da Enciclopédia; ao contrário, são o sinal de uma estrutura, de uma arquitetura. Melançon mostra que, com as referências cruzadas, Diderot e d’Alembert quiseram organizar o material enciclopédico da mesma forma “que quiseram relacionar os artigos a uma árvore do conhecimento e que conceberam um frontispício alegórico supondo uma forte coerência entre os campos de conhecimento” (Melançon 2004, p. 150).

A Enciclopédia é a organização arquitetônica de todo o saber.

A organização sistemática e orgânica do conhecimento manifesta, mais uma vez, seu caráter arquitetônico no projeto de Paul Otlet, por exemplo, e se torna uma disciplina com o advento das ciências da informação.13 É nesse quadro que emerge a noção de “arquitetura da informação” nos anos 1970, que “se refere, antes de tudo, à necessidade da elaboração de um modelo coerente da informação, para que o programador possa estar em condições de representá-la em uma forma gráfica que possa ela mesma ser avaliada” (Broudoux; Chartron; Chaudiron, 2013, p. 14). Com o desenvolvimento da tecnologia no século XX, a realização do projeto de uma arquitetura global do conhecimento parece se tornar ainda mais viável. Essa arquitetura, graças à miniaturização progressiva dos documentos – primeiro com microfilmes, depois através da mídia eletrônica – poderia ser atualizada no espaço único de um grande escritório – como o Memex de Vannevar Bush em 1945 – e, finalmente, dentro de um telefone celular. O projeto de Tim Berners-Lee, pela gigantesca quantidade de documentos que hospeda, assim como pela complexidade de sua estrutura arquitetônica, que permite uma organização orgânica de um número potencialmente ilimitado de conhecimento, parece ser a realização do sonho do saber absoluto. A web é a biblioteca exaustiva, em que tudo pode ser encontrado e, acima de tudo, em que todo o conteúdo é organizado em uma rede orgânica e coerente graças a uma linguagem de marcação universal – HTML – e um protocolo padronizado de intercâmbio de dados – HTTP.

Mas, até agora, a arquitetura é apenas uma metáfora, ou, como no frontispício da Enciclopédia, uma alegoria: trata-se de organizar e estruturar o templo do conhecimento. Essa metáfora nos remete a uma clara ruptura entre dois campos diferentes: o da epistemologia e o da ontologia. A arquitetura do conhecimento – quer se apresente na forma do projeto da biblioteca universal ou da enciclopédia, quer se defina como knowledge design ou como arquitetura da informação – procura organizar o espaço do saber. Esse espaço é – ou aspira a ser – homotético em relação ao mundo real, mas continua separado dele. O que nós organizamos é aquilo que sabemos sobre o mundo.

Pode-se ir além dessa ruptura entre a epistemologia e a ontologia? É possível escapar da metáfora?

É óbvio que o desejo de aproximar cada vez mais o conhecimento do mundo do qual ele é o conhecimento acompanha o sonho do saber total desde o princípio, nem que seja pelo fato de que o próprio sentido do saber é ter uma contrapartida operacional. Ser capaz de compreender a arquitetura do saber também significa ser capaz de compreender a arquitetura do mundo e, com isso, ser capaz de agir no mundo e sobre o mundo. O aspecto operacional do conhecimento é uma característica evidente na Enciclopédia de Diderot e d’Alembert, lugar em que se pode encontrar as regras do jogo de damas e onde Madame de Pompadour poderia procurar informações sobre a composição de um cosmético (Melançon, 2004, p. 148). “O leitor, ao evitar as armadilhas do óbvio, passando de um artigo para o outro graças ao sistema de referências cruzadas, aprende a fazer o mesmo no mundo real, do qual a Enciclopédia pretende ser o espelho”.14 Melançon (2004) enfatiza esse aspecto operacional do saber contido na Enciclopédia ao afirmar que “em vez de leitores, haveria usuários da Enciclopédia”. O aspecto contemplativo do saber é substituído por uma vontade de agir, o paradigma do conhecimento como representação do mundo é substituído pelo de um conhecimento que permite operar. Poderíamos dizer que passamos de um paradigma representativo para um paradigma performativo, e essa mudança é sublinhada pelo uso de um termo como “usuário”. É interessante perceber que em ambientes digitais tal mudança ocorreu ao longo dos anos: a noção de leitura parece estar perdendo progressivamente sua primazia para dar lugar à noção de uso.

Essa mudança na interpretação pode ser encontrada, para dar apenas um exemplo, na crítica de Galloway (2012) às teses de Manovich (2002). A web, argumenta Galloway, não pode mais ser interpretada usando-se o paradigma das telas – que parecia ser a base da análise de Manovich alguns anos antes. Não assistimos à web, agimos sobre ela. O dispositivo da visão – caro à teoria que serviu de base para a abordagem aristotélica – dá lugar à ação. A fusão entre o saber e o mundo torna-se quase total.

Alguns exemplos podem ilustrar essa ideia. O leitor-usuário da Enciclopédia, como já dissemos, poderia consultar as regras do jogo de damas no livro. O verbete é escrito pelo próprio Diderot. Lê-se:

Damas, (jogo de): O jogo de damas é jogado com damas. Ver os art. Damas & Tabuleiro. Existem dois tipos principais de jogo; um se chama damas francesas, o outro, damas polonesas. Nas damas francesas, cada jogador tem doze damas; nas damas polonesas, vinte. Inicia-se o jogo colocando suas damas no tabuleiro. Nas damas francesas, o jogador A coloca suas doze damas nos doze quadrados ou casas a, b, c, d, & e. fig.1. Cada jogador joga alternadamente. Quando o jogador A move uma de suas damas, o jogador B move uma das suas.15

Diderot continua a ilustrar precisamente as regras do jogo: a leitura do artigo é uma verdadeira introdução ao jogo, e o leitor, após a leitura, deve ser capaz de começar a jogar. O conhecimento apresentado tem, assim, um objetivo operacional claro. O objetivo não é apenas explicar do ponto de vista teórico o que é o jogo de damas e colocar essa atividade em uma rede global de conhecimento – o que, aliás, não é possível, porque a categoria “jogo” não é colocada na árvore presente no frontispício do livro –, mas também colocar o leitor na condição de poder realmente jogar damas. Agora, no contexto de uma busca que um usuário poderia fazer na web, obviamente, encontramos a mesma estrutura: podemos encontrar informações sobre a história, a teoria e o valor cultural do jogo, mas também podemos procurar as regras e usá-las como um manual para começar a jogar. Mas essas regras também são implementadas nos algoritmos que permitem, no mesmo espaço, não somente aprendê-las, mas também jogá-las concretamente. O próprio saber torna-se operacional. O próprio computador é capaz de produzir o espaço do jogo – que, no caso da Enciclopédia, teve que ser produzido pelo leitor separadamente do dela própria, comprando o jogo, encontrando outro jogador, organizando uma sala de estar e uma mesa para realmente jogar.

Outro exemplo muito simples: no modelo pré-digital, o leitor-usuário pode consultar um folheto com o horário do metrô de Paris. O folheto lhe dá conhecimento sobre o mundo – mais precisamente sobre o metrô de Paris, suas linhas etc. Na esteira do projeto enciclopédico, posso imaginar um grande livro que dá acesso a todos os horários de todos os sistemas de transporte do mundo. Esse livro poderia, sem dúvida, fornecer a seu leitor conhecimentos operacionais que lhe permitiriam organizar um trajeto. Mas o trajeto seria realizado em outro espaço: ele teria que comprar seu bilhete em algum lugar, se moveria em um espaço representado pelo seu mapa, mas que não corresponde a ele. Um aplicativo como o do metrô de Paris funde esses dois espaços: permite-me não só conhecer as linhas e suas propriedades em tempo real, mas também agir sobre essas linhas: como usuário, posso, por exemplo, comprar um bilhete e assim garantir a reserva de um assento. Mas isso afetaria a própria linha: supõe-se que um algoritmo calcule o número de passageiros que compraram bilhetes para estabelecer o número de trens e sua frequência. O que acontece no espaço digital é também o que acontece no espaço não digital, ou, para ser mais preciso, não há mais diferença entre os dois. O desenvolvimento gradual da web dos objetos vai nessa direção: as URIs são como maçanetas que permitem ao usuário se apropriar do mundo e organizá-lo fisicamente.

A arquitetura como movimento de organização e estruturação não diz mais respeito apenas ao conhecimento, mas ao próprio mundo. Assim, estamos passando de uma arquitetura do conhecimento para uma arquitetura do ser. Estamos nos afastando progressivamente da metáfora para alcançar uma fusão entre epistemologia e ontologia: on-line, estamos estruturando o mundo e não apenas o que sabemos sobre ele. Poder-se-ia dizer que a epistemotetura é, então, substituída pela ontotetura.

Essa mudança de um paradigma epistemológico para um paradigma ontológico determina uma forte renovação do interesse pela noção de espaço. Se a arquitetura não é uma metáfora e, portanto, o espaço organizado através de dispositivos digitais não é apenas o espaço do conhecimento, surge a questão de saber o que é esse espaço e como apreendê-lo. O fato de que em 2007 o Google, cuja ambição original é justamente ter a função de estruturar a totalidade do conhecimento em um todo coerente, comprou uma startup de cartografia digital é um sintoma evidente da centralidade do espaço nesse novo paradigma. Não se trata apenas de estruturar o conhecimento, trata-se de estruturar o mundo e, portanto, de tratar o conhecimento como se fosse parte integrante do espaço que habitamos.

Essa apropriação do espaço e do conhecimento – e, portanto, da epistemologia e da ontologia – determina a superação da primeira oposição citada na introdução. A fusão entre ser e saber torna-se assim a base da teoria da editorialização, que não é, portanto, uma teoria da administração de conteúdo ou da comunicação desse conteúdo, mas uma teoria ontológica que procura pensar o mundo na era digital.

O que é editorialização?

Antes de definir o que é editorialização, do modo como se desenvolveu no contexto do trabalho aqui apresentado, é necessário especificar o que ela não é, e de quais teorias – embora muitas vezes muito semelhantes – ela difere.

O conceito de editorialização pretende servir como base para uma teoria filosófica do mundo na era digital. Essa teoria usa as mudanças trazidas pelas tecnologias digitais como um pretexto para questionar, de modo geral, todas as categorias conceituais que utilizamos para refletir sobre o mundo. Nesse sentido, a editorialização tenta elaborar uma interpretação universal e muito formal do que fora a edição: em outras palavras, aquilo do conceito de edição que se mantém na teoria da editorialização não está de modo algum relacionado ao significado que a edição tem em relação a uma estrutura institucional específica e historicamente determinada. A ideia de edição, contida no termo editorialização, deve ser entendida na continuidade do movimento de fusão entre ser e saber que acabo de esboçar. A edição enquanto “editora” ou enquanto profissão não interessa, portanto, diretamente à teoria que estamos propondo aqui.

Nesse sentido, a distinção entre diferentes instâncias de enunciação na produção de conteúdo – aquela que é brilhantemente sublinhada, por exemplo, pelo conceito de “enunciação editorial”, como desenvolvido por Jeanneret e Souchier (2005) – não é a principal preocupação da teoria da editorialização, que, em vez disso, tenta identificar uma dinâmica de produção do mundo – uma dinâmica ontológica – que transcende a identificação de diferentes atores. Justamente porque, como veremos, a editorialização sublinha o fato de que os atores pressupostos da produção de conteúdo – o autor, por exemplo, ou a editora, ou o leitor – em vez de atores, são, na realidade, o produto do processo.

Nesse sentido, abordagens teóricas que se concentram no aspecto comunicativo – notadamente a de Zacklad (2019) – ou na diferença entre enunciação editorial e autoral partem de um ponto de vista e respondem a propósitos hermenêuticos que são muito diferentes daqueles que caracterizam a teoria da editorialização.

Evidentemente, como Zacklad demonstra muito bem, se nos concentrarmos no aspecto comunicativo, não faria sentido, heuristicamente, “tratar dos assuntos como se fossem problemas da mesma natureza que aqueles que constituem os artefatos técnicos” (Zacklad, 2019).

Mas a partir de uma abordagem puramente filosófica, o interesse está precisamente em questionar o que pode ser um “sujeito”. Nesse sentido, os objetivos heurísticos são completamente diferentes. Como veremos, a teoria da editorialização, como teoria filosófica, deve ser capaz de questionar os próprios conceitos de humano e humanidade.

Mas passemos às definições do conceito que já foram propostas.

Três definições diferentes de editorialização podem ser identificadas: a primeira pretende ser restrita – e, em última análise, está próxima do conjunto de teorias que acabo de mencionar –, a segunda é mais geral,16 enquanto a terceira tenta combinar as duas primeiras.

De acordo com a definição restrita, a editorialização refere-se ao conjunto de dispositivos técnicos (a rede, os servidores, plataformas, CMSs, algoritmos de busca), estruturas (hipertexto, multimídia, metadados) e práticas (anotação, comentários, recomendações via redes sociais) que permitem produzir e organizar um conteúdo na web (Vitali-Rosati, 2014a). Em outras palavras, a editorialização é uma instância que modela e estrutura um conteúdo em um ambiente digital. Pode-se dizer, dessa forma, que a editorialização é no que a edição se transforma sob a influência das tecnologias digitais.

Evidentemente, isso também tem um impacto sobre o próprio conteúdo: o conceito de editorialização enfatiza como a tecnologia conforma o conteúdo. De acordo com essa definição, podemos nos sentir tentados a equiparar a editorialização à curadoria digital [digital curation] – que é o processo de organização de conteúdo em um ambiente digital particular. Mas há uma distinção fundamental entre os dois processos: o conceito de editorialização implica uma dimensão cultural que não está presente na ideia de curadoria. Esta última refere-se mais às práticas de coleta, organização e exibição de conteúdo em um determinado ambiente – o que enfatiza, antes de tudo, o conjunto de habilidades necessárias para realizar uma boa curadoria. A editorialização, por outro lado, refere-se à forma como ferramentas, práticas emergentes e estruturas orientadas por essas ferramentas criam uma relação diferente com o próprio conteúdo. Pode-se dizer que a curadoria se refere à ação de um indivíduo específico ou de um grupo definido de indivíduos, enquanto a editorialização se concentra na forma em que essa ação é estruturada pelas características do ambiente digital. Finalmente, é preciso salientar que essas características não são apenas técnicas, mas também culturais.

Um exemplo nos ajudará a entender essa primeira definição. Digamos que temos um conjunto de informações sobre uma determinada doença – por exemplo, a gripe aviária. Temos uma descrição e histórico da doença, dados sobre a pandemia, uma lista de tipos de gripe, estatísticas sobre taxas de mortalidade, conselhos sobre como prevenir a contaminação, e assim por diante. O governo francês poderia decidir criar uma plataforma para divulgar essas informações aos cidadãos. Para esse fim, um grupo de especialistas seria chamado para editar esse conteúdo (curadoria de conteúdo): editariam os textos e os adaptariam ao público-alvo, escolheriam maneiras de exibir os dados (gráficos, tabelas etc.), estruturariam a plataforma e trabalhariam em sua ergonomia – talvez até criassem perfis no Twitter e no Facebook para promover e divulgar a plataforma. Todas essas ações fazem parte de uma curadoria de conteúdo. A plataforma dependerá dos usuários para interagir com ela, comentar as informações e, por que não?, compartilhar o conteúdo nas redes sociais. Os usuários provavelmente reutilizarão algumas das informações em outras plataformas e publicarão links em outros sites que redirecionem para elas. A plataforma será indexada por mecanismos de busca e os algoritmos a classificarão em listas hierárquicas. Ela ocupará uma posição particular na web: uma posição simbólica mais ou menos visível, mais ou menos importante e mais ou menos confiável. Esses aspectos estarão em constante evolução durante os dias, semanas, meses e anos que se seguem à publicação da plataforma. É esse processo que pode ser chamado de editorialização, no primeiro sentido da palavra. Todos esses elementos estruturam o conteúdo e lhe dão sentido. Poderíamos então dizer que a curadoria do conteúdo é um dos elementos do processo de editorialização, enquanto este último se refere ao processo como um todo, levando em consideração todos os aspectos da produção de conteúdo e o significado que esse conteúdo adquire dentro de uma cultura.

Consequentemente, a editorialização forma e estrutura o conteúdo sem se limitar a um contexto fechado e bem definido (como uma revista) ou a um grupo pré-definido de indivíduos (como os editores). Ela implica uma abertura do espaço (múltiplas plataformas) e do tempo (múltiplas contribuições diferentes, em momentos diferentes). Essa abertura é uma das principais diferenças entre curadoria e editorialização, e é também o que diferencia a editorialização da publicação tradicional.

A abertura da editorialização em comparação com a publicação impressa determina certa perda de controle, tanto do escritor quanto do editor, sobre o conteúdo. Na verdade, ambos são agora apenas atores entre outros no processo editorial, que está se tornando muito mais amplo.

Vejamos um segundo exemplo: a publicação de um artigo acadêmico. A equipe editorial de uma revista on-line trabalha na edição de um artigo e o publica. Eles corrigem o texto, o formatam, definem seus limites (em HTML ou XML, por exemplo), editam os metadados e, finalmente, o publicam na plataforma da revista. Esse trabalho não é muito diferente do processo de publicação baseado em papel. Mas, em um ambiente digital, esse trabalho é apenas o início de um processo muito mais longo. A vida do artigo, sua visibilidade e circulação dependem de uma estrutura mais complexa que inclui comentários, citações, reutilizações e indexações. O fato de o Google, por exemplo, colocar o artigo no topo de uma lista de resultados é comparável à sua menção na capa de uma revista impressa, ou ao fato de a revista em que é publicado ser colocada na vitrine de uma livraria. Embora se possa argumentar que alguns aspectos da publicação impressa também não são controlados – a disposição na vitrine de uma livraria, por exemplo, não depende do autor ou do editor –, o grau de controle muda claramente no espaço digital.

Essa primeira definição, como já disse, pode ser entendida na continuidade dos trabalhos sobre o documento e sobre a função da edição na estruturação desse documento. Como Zacklad (2019) sugere, poderíamos comparar essa primeira definição com a de “redocumentarização”. Se essa primeira definição já procura entender a editorialização em um sentido mais amplo do que a enunciação editorial ou a documentarização editorial – já que tenta precisamente olhar o processo como um todo em vez de considerá-lo em relação a seus diferentes componentes – ela inclui, no entanto, uma limitação óbvia, já que considera o ambiente digital como um espaço separado. Trata-se de uma definição centrada na web, que não leva em consideração a hibridização entre o espaço digital e o pré-digital.17 Essa definição negligencia, portanto, a fusão progressiva entre o paradigma epistemológico e o ontológico que temos sublinhado. Nessa primeira definição, a editorialização continua sendo uma espécie de arquitetura do conhecimento – o knowledge design de Schnapp, a redocumentarização de Zacklad.

A definição permanece, assim, muito dualista: de um lado, o humano; do outro, a máquina que estrutura e determina as ações humanas. De um lado, o mundo; do outro, o saber sobre o mundo.

A segunda definição é uma extensão da primeira, baseada na ideia de que o espaço digital implica uma sobreposição e, em última instância, uma fusão entre discurso e realidade. Em um mundo digital conectado, existir significa ser editorializado. De fato, no espaço digital, um objeto deve estar conectado e relacionado a outros objetos para que possa existir. Por exemplo, para que um restaurante exista, ele deve estar no TripAdvisor, no Google Maps ou em outra plataforma que especifique sua relação com outros restaurantes, com um território etc., tornando-o visível. Para que uma pessoa exista no espaço digital, ela deve ter um perfil no Facebook, Twitter, LinkedIn, ou outra plataforma que possa identificá-la e torná-la visível. A editorialização torna-se, assim, uma condição de existência. Ora, com base nessa ideia, editorializar não significa apenas produzir conteúdo, mas também produzir a própria realidade. De acordo com essa definição muito ampla, a editorialização designa todas as formas coletivas de negociação da realidade. Em outras palavras, a editorialização é o conjunto de práticas sociais que nos permitem compreender, organizar, interpretar e produzir o mundo. O fato de vivermos em um espaço cada vez mais digital sugere que todas essas práticas também ocorrem no espaço digital – o que significa, em suma, que qualquer prática que vise compreender, organizar ou interpretar o mundo é um ato de editorialização.

Essa segunda definição apresenta um inconveniente inverso da primeira: é muito generalizante e até mesmo muito vaga. Nesse sentido, é difícil imaginar algo que não seja editorialização. A definição corre, portanto, o risco de se tornar inoperante. Entretanto, uma análise mais cuidadosa revela que esses dois primeiros significados podem ser sintetizados em uma definição mais operacional. Podemos levar em conta todas as ações de produção de conteúdo on-line – na web ou em outras formas de ambiente conectado (como os aplicativos móveis) – entendendo-as como funções de estruturação da realidade. Dessa forma, a editorialização pode ser definida como um conjunto de ações coletivas e individuais, que acontecem em um ambiente digital on-line, e que têm por objetivo estruturar a forma como entendemos, organizamos e interpretamos o mundo. Essas ações são moldadas pelo ambiente digital em que acontecem: a editorialização, como enfatizado pela primeira definição, leva em conta não apenas o que os usuários fazem, mas também como suas ações são determinadas e orientadas por um determinado ambiente. É importante enfatizar que, se entendermos a palavra “digital” em um sentido cultural, o espaço digital é nosso espaço principal, o espaço em que vivemos, e não apenas o espaço da web ou dos objetos que estão on-line; o que nos permite distinguir entre diferentes ambientes digitais – como a web ou outros ambientes conectados – e o espaço digital, que é o resultado da hibridização desses ambientes com a totalidade do nosso mundo. Essas considerações nos permitem modificar nossa definição para chegar a uma formulação mais convincente: “A editorialização refere-se ao conjunto de dinâmicas que produzem e estruturam o espaço digital. Essas dinâmicas são as interações das ações individuais e coletivas com um ambiente digital particular”.

A mudança de paradigma coloca a noção de espaço novamente no centro e exige que pensemos a editorialização como um ato arquitetônico real – e não metafórico. A editorialização vem então designar o conjunto de dinâmicas – ou seja, as interações das ações individuais e coletivas com um determinado ambiente digital – que produzem e estruturam o espaço em que vivemos.

Em outras palavras, mais uma vez, não editorializamos conteúdos ou informações sobre o mundo, editorializamos o próprio mundo. A editorialização é uma arquitetura do ser, uma ontotetura.

Uma nova definição

Essa última definição é a que dei em um artigo de 2016 (Vitali-Rosati, 2016), em que propus um primeiro estado da arte sobre a teoria da editorialização. Nos últimos anos, tornou-se claro que essa definição ainda apresenta um problema: permanece fundamentalmente antropocêntrica. A editorialização, como a defini em 2016, em suma, pode nos permitir ir além da oposição entre ser e saber, mas permanece fundamentalmente presa à oposição entre homem e máquina.

Chego aqui à temática que nos interessa como humanistas digitais [digital humanists]. A noção de humanidades digitais [digital humanities] levanta, de modo atualizado, a questão da definição do humano e de sua relação com a técnica e com as máquinas. O termo “humanidades digitais” parece, à primeira vista, ser um oxímoro, na medida em que reúne os dois polos de oposição entre o humano e a máquina. A dificuldade da tradução francesa evidencia ainda mais essa tensão implícita na locução: des humanités numériques (enquanto uma tradução mais precisa deveria se referir às “humanidades digitais”). O topos do ser humano não quantificável, que tem sentimentos e uma vida que não pode ser reduzida a um cálculo, é varrido por essa expressão que coloca as duas dimensões novamente juntas.

A emergência do fato digital, de maneira geral, leva autores como M. Doueihi a afirmar que, mais do que humanidades digitais, devemos falar de um verdadeiro “humanismo digital” (Doueihi, 2011), pois o digital não pode ser considerado como um simples conjunto de ferramentas, mas sim como uma cultura em si mesma, que muda nossa relação com o mundo e, em última instância, nossa maneira de ser humano. Em uma direção semelhante caminha toda uma série de reflexões sobre o status do humano em relação aos desenvolvimentos tecnológicos que são frequentemente agrupados sob o rótulo de “pós-humanismo”, um rótulo complexo e ambíguo, porque assimila abordagens profundamente diferentes e até mesmo contraditórias.

Iremos aqui na direção de Karen Barad, que entende o pós-humanismo como uma categoria que nos permite pensar para além da oposição entre humanos e não humanos: “Meu relato pós-humanista põe em questão o caráter dado das categorias diferenciais de humano e do não humano, examinando as práticas pelas quais esses limites diferenciais são estabilizados e desestabilizados” (Barad, 2007, p. 66).18

O conceito de pós-humanismo não é, portanto, um convite a ir além do humano em direção a uma humanidade aumentada – o que seria o desejo de certas interpretações que poderiam ser descritas como trans-humanistas –, mas para questionar a própria categoria do humano e sua relação com o não humano.

No mesmo sentido, podemos ler o trabalho de Cary Wolfe, que afirma claramente, apoiando as teses de Katherine Hayles (1999), que

o pós-humanismo, no sentido que trato, não é de modo algum pós-humano – no sentido de ser “depois” de nossa encarnação ter sido transcendida – mas é apenas pós-humanista, no sentido de que se opõe às fantasias de desencarnação e autonomia, herdadas do próprio humanismo.19 (Wolfe, 2010, p. xv)

Hoje em dia, em vista das considerações acima, eu tenderia a revisar a segunda parte da definição de editorialização. De fato, mesmo que essa definição desejasse ir além da oposição homem-máquina, ela se limitava a falar de uma interação de ações com um ambiente. Poderíamos interpretar essa definição dizendo que finalmente há seres humanos que interagem com as máquinas. Ora, não é isso que a teoria da editorialização quer expressar. Não há indivíduos, comunidades e ambientes digitais que interagem e dão origem ao espaço digital. Ao contrário, há um espaço que é o resultado dinâmico de um conjunto de interações entre diferentes forças. A partir dessas interações, emergem em seguida indivíduos, comunidades e ambientes digitais. Por isso, minha definição poderia ser revisada desta forma: a editorialização é o conjunto de dinâmicas que constituem o espaço digital e que permitem, a partir dessa constituição, o surgimento de um significado. Essas dinâmicas são o resultado de diferentes forças e ações que determinam, em consequência, o aparecimento e a identificação de objetos particulares (pessoas, comunidades, algoritmos, plataformas...).

Nesse sentido, a editorialização pode ser pensada como o conjunto de condições materiais de mediação que determinam o surgimento de um mundo. A editorialização é um acesso ao mundo que é feito com o próprio mundo.

Um exemplo pode esclarecer a definição. Um indivíduo X é o resultado de uma série de dinâmicas que definem esse indivíduo e o fazem aparecer. X é o que emerge de um processo em constante mudança que envolve diferentes forças e ações: algoritmos, cliques, manipulação de dados que fazem com que a consulta de X no Google produza um determinado resultado, que torna os perfis de X nas diferentes plataformas mais ou menos visíveis, exibidos de uma forma ou de outra, e, no final, X é aquela pessoa em particular.

Essas dinâmicas são mediações inscritas e materiais: assim como eu posso pensar X, da mesma maneira o ambiente digital pensa X – ou, melhor, os ambientes digitais pensam X. X existe através desse pensamento. O acesso a X e seu ser são a mesma coisa. Exceto que esse acesso não é humano, ele está ali, inscrito, materialmente concreto, mesmo sem nós.

As características da editorialização

Para entender melhor a natureza da editorialização, podemos analisar cinco características que me parecem ser as mais importantes: sua natureza processual, sua natureza performática, sua natureza ontológica, sua natureza múltipla e, finalmente, sua natureza coletiva. Vamos tentar definir esses atributos.20

Em primeiro lugar, a editorialização é um processo. Mais precisamente, trata-se de um processo aberto. A editorialização é uma série de ações em andamento que não têm nem um início nem um fim definidos. Qualquer processo de editorialização está sempre em andamento: está sempre em uma dinâmica de movimento. A natureza processual da editorialização torna muito difícil identificar e isolar um único e particular ato de editorialização: cada processo de editorialização está ligado de alguma forma a outros, e é impossível delinear exatamente uma cadeia precisa de ações.

Em segundo lugar, a editorialização é performativa21 por duas razões principais: primeiro, é um processo que não segue nenhum padrão pré-definido; além disso, produz a realidade muito mais do que a representa. A editorialização é de fato um processo aberto, não segue um protocolo predefinido, e suas diferentes etapas são decididas à medida que avançamos. Ao mesmo tempo, um determinado processo de editorialização pode se tornar normativo, quando, por sua vez, serve de modelo para outros processos. A editorialização cria suas próprias normas de maneira performativa. Pode-se contestar que as plataformas digitais predeterminam o processo, que a publicação de fotos no Facebook, por exemplo, implica o modo como a plataforma determina os comportamentos e até mesmo o processo de publicação como um todo. Isso é absolutamente verdade, mas a proliferação de usos alternativos das plataformas demonstra que é muito fácil contornar seus esquemas. A hashtag do Twitter é um exemplo bastante significativo dessa performatividade da editorialização: o processo toma uma forma particular que não tinha sido prevista, ou que fosse sequer previsível, e essa forma se torna uma norma. Nesse sentido, a diferença entre as ações humanas e a normatividade do dispositivo se torna difusa e até mesmo irrelevante; vamos justamente além da oposição entre homem e máquina.

Outro elemento revelador do paradigma performativo da editorialização é sua natureza operacional. A editorialização é um ato performativo no sentido de que tende a agir sobre a realidade em vez de representá-la. Lemos e escrevemos no espaço digital – e particularmente na web –, mas a maior parte de nossa leitura e escrita é feita para fins operacionais específicos. Considere, por exemplo, o caso de um comentário escrito no TripAdvisor. Poderíamos certamente localizar essa ação em um paradigma representativo: o comentário representa o restaurante. De acordo com o paradigma da representação, encontramos um significante (o comentário) e um referente (o restaurante). Mas essa interpretação não leva em conta a natureza exata dessas práticas: escrever um comentário é, de fato, também produzir o próprio restaurante. O comentário é uma forma de caracterizar o restaurante, de torná-lo mais ou menos visível, por exemplo, ou de determinar se é um restaurante de carne ou peixe. Escrever um comentário sobre um restaurante é, de certa forma, fazê-lo existir. Com base em seu ranking e comentários, o restaurante ocupará um lugar singular no espaço TripAdvisor – de uma forma que, no final das contas, não é tão diferente do que seria se ele mudasse de endereço na mesma rua. Se quisermos dizer o que é o restaurante em questão, precisamos incluir muitos fatores, especialmente sua localização (seu endereço no mundo físico), o nome de seus proprietários, seu cardápio, mas também sua posição no TripAdvisor, sua visibilidade no Google e o conjunto de comentários publicados sobre ele em plataformas on-line. A editorialização contribui, assim, para a produção do restaurante, pois ela integra a sua existência.22

Essas considerações revelam a terceira e a quarta características da editorialização: sua natureza ontológica e sua natureza múltipla. De um ponto de vista ontológico, a editorialização é uma forma de produzir o real e não um meio de representá-lo. Nesse sentido, sua teoria vai além da oposição entre o ser e o saber. E isso determina sua natureza múltipla: se cada ato de editorialização produz o real, então o real deve ser múltiplo, uma vez que existem vários atos de editorialização.

Finalmente, a última característica da editorialização é sua natureza coletiva.23 A editorialização não é a ação de uma única pessoa, nem mesmo de um grupo predeterminado: o ator ou os atores da editorialização fazem sempre parte de uma coletividade aberta, que não deve ser limitada a uma coletividade humana. Sem uma ação coletiva, a editorialização é impossível: a ação individual – mesmo que realizada por uma empresa tão grande quanto o Google – nunca poderá produzir a editorialização.

Vamos analisar mais de perto o caso do Google. Pode-se pensar que o Google estrutura seu conteúdo de forma precisa, sem levar em conta as reações de seus usuários. Esse modelo seria “googlocêntrico” de certa forma, já que o único ator a decidir sobre a organização do conteúdo seria a empresa que projeta os algoritmos. Mas esse argumento não se sustenta, por pelo menos três razões: em primeiro lugar, se ninguém usa o Google, o algoritmo não pode produzir a editorialização. O Google só pode estruturar o conteúdo porque os internautas o utilizam. Um mecanismo de busca que não é usado não tem poder para estruturar conteúdo, já que essa estrutura permaneceria abstrata, seria uma letra morta, ou seja, uma estrutura quase inexistente, já que ninguém a veria. O poder do Google depende do número de internautas – hoje colossal – que o utilizam, e é nisso que a hierarquia proposta pelo mecanismo de busca adquire sua função estruturante. Uma página ganha visibilidade porque o Google a indexa e porque os internautas o utilizam para encontrá-la. Em segundo lugar, o algoritmo não é estático: ele evolui de acordo com as práticas e usos. O Google deve adaptar seu algoritmo aos usos dos internautas, a fim de evitar que ele se torne obsoleto. É por isso que estudar o comportamento dos usuários é tão essencial para a empresa, que pode então responder às suas necessidades, e até mesmo antecipá-las. As ações dos internautas, portanto, afetam diretamente o algoritmo. Em terceiro lugar, o algoritmo é baseado em certo número de valores culturais predeterminados por negociação coletiva. Como mostrou Dominique Cardon et al. (2013), o PageRank se baseia no princípio do índice de citação, ele mesmo desenvolvido dentro da comunidade acadêmica: sem as interações coletivas da comunidade, esses valores não existiriam. O Google é, em última análise, o resultado de uma série de dinâmicas complexas – ações, eventos, estruturas espaciais etc. – que depois dão origem à plataforma, usuários, algoritmos, entre outros.

A criação de um perfil no Facebook também demonstra que a editorialização nunca é um processo individual, mas que ela envolve, ao contrário, uma coletividade. Ao criar um perfil no Facebook, o usuário seria levado a acreditar que ele ou ela é o único ator nesse ato de criação: posso definir-me como quiser. Essa ideia foi muito bem ilustrada em um famoso desenho dos anos 1990, no qual um cachorro sentado em frente a um computador anuncia: “Na internet, ninguém sabe que você é um cachorro”. A ideia desse desenho consistia em dizer que éramos completamente livres para construir a nossa identidade como bem quiséssemos. A identidade virtual24 parecia ser a realização de uma fantasia de autodeterminação: ter o poder de se reinventar de maneira autônoma. O problema era então o risco de um excesso de autodeterminação: na internet, todos podiam fingir ser o que não eram.

O fantasma da autodeterminação está, no entanto, em grande parte errado. Como muitos pesquisadores têm demonstrado, vários fatores determinam a forma como construímos os nossos perfis: o “alcance” da plataforma, a sua influência no comportamento dos utilizadores, e as práticas destes. É óbvio, por exemplo, que o Facebook determina a forma como eu crio o meu perfil. A plataforma é normativa, porque me pede uma série de informações e ações muito específicas. É a plataforma que decide o que tenho a dizer sobre mim e como dizê-lo, o que é importante e o que não é, com que frequência e para quem escrevo. Esses valores são predeterminados pela plataforma. A plataforma, entre outras coisas, compila dados sobre os usuários, direciona-os através da sua publicidade, analisa e orienta profundamente comportamentos. E, para além dessas determinações, existe também um conjunto de práticas coletivas e de utilização que desempenham um papel crucial na construção do meu perfil: se eu sou essa imagem que escolho e o estatuto que escrevo, sou também o número de amigos que tenho, os comentários que os meus amigos escrevem sobre mim, as imagens de mim que outros usuários publicam e identificam, e mesmo a reutilização dessas imagens em outras plataformas, em outros contextos.

Mais uma vez, o modelo antidualista ajuda-nos a criar uma interpretação para esse fenômeno. Em vez de pensarmos que existe um usuário, uma plataforma e um grupo com outros usuários – a comunidade Facebook –, devemos concentrar-nos no processo dinâmico de editorialização, que consiste em uma série de ações e forças que determinam, a posteriori, a emergência de uma identidade de uma plataforma e de uma comunidade que são apenas o fruto da cristalização dessa dinâmica.

Se quisermos compreender o conceito de editorialização, é importante compreender um problema crucial: o fato de a editorialização ser coletiva não significa que o que produz seja “comum” [common] a todos. No caso do Google e do Facebook, por exemplo, a dimensão coletiva não implica que, ao final do processo de editorialização, obtenhamos um objeto partilhado por todos [common]: os dados, as informações e os conteúdos são propriedade de uma empresa privada, e essa empresa decide como esses dados são produzidos e para quais fins. Alguns casos de editorialização – a Wikipédia, por exemplo – sugerem que foi criado um bem comum – embora seja difícil separar uma plataforma das outras, e a visibilidade e eficácia da Wikipédia dependa da referenciação e indexação pelo Google. A questão que se pode colocar é: como fazer do espaço digital um espaço público?

Por uma filosofia política de editorialização

Mais do que um neologismo criado para marcar a transição para o digital, o conceito de editorialização visa responder às questões levantadas por esse novo modelo. É de fato essencial sublinhar, ao final desse trabalho de definição, até que ponto a noção de editorialização pode mudar nossa maneira de habitar o espaço digital. Pelo fato de sublinhar sua estrutura, a editorialização nos dá a possibilidade de compreender o espaço digital e de compreender o significado de nossas ações nesse espaço: revela-nos as relações entre objetos, dinâmicas, forças, dispositivos de poder, fontes de autoridade. Mas como a teoria da editorialização pode mudar concretamente nossas práticas?

Com base na superação das duas oposições que citei no início deste texto, enfatizarei, ao encerrar, duas perspectivas abertas pela teoria da editorialização:

  1. Se não há oposição entre ser e saber, então nosso mundo é um produto da dinâmica da editorialização, o que traz várias consequências. Primeiramente, essa constatação é um convite a assumir uma responsabilidade coletiva: o espaço digital não é um espaço paralelo, é o espaço principal de nossas vidas, ou, para ser mais preciso, o espaço em que nossas vidas emergem. Portanto, é essencial garantir que esse espaço promova – ou pelo menos permita – valores aos quais estamos ligados – quaisquer que sejam esses valores. Parece-me essencial agir para que a dinâmica da editorialização possa produzir espaços heterogêneos – para garantir a possibilidade de uma pluralidade de pontos de vista – e espaços comuns. A análise das forças em jogo nos processos de editorialização é um bom ponto de partida para alcançar esses objetivos. A alfabetização digital torna-se, assim, uma condição de possibilidade para que pessoas não se transformem em marionetes apenas pelas restrições e determinações das forças que organizam nosso espaço.25 A teoria da editorialização pode proporcionar algum otimismo diante desse risco, precisamente porque enfatiza que a complexidade da dinâmica da editorialização não pode ser reduzida à vontade de alguns atores –inclusive muito poderosos econômica e politicamente. A análise dessa complexidade – e uma compreensão diversificada de seu funcionamento – poderia se tornar o pivô para ações emancipatórias. É por isso que podemos trabalhar desde agora em prol do desenvolvimento de uma verdadeira filosofia política de editorialização.
  2. A superação da oposição entre homem e máquina deve permitir a abertura de novas perspectivas de pesquisa e de compromisso com a pesquisa nas ciências humanas, em um sentido possivelmente pós-humanista. Isso seria particularmente benéfico no vasto campo das humanidades digitais, no qual um dos objetivos poderia ser questionar a base dos valores humanistas aos quais o próprio nome se refere. Tal abordagem permitiria pensar em novos fundamentos para problemas éticos e políticos que têm estado no centro do pensamento do século XX: as relações de gênero, entre espécies, a função da humanidade em um mundo marcado por sérios problemas ambientais...

É assim que a teoria da editorialização, enquanto abordagem geral do mundo digital, poderia adquirir o status de uma verdadeira filosofia na era digital.

Tradução de Natália Guerellus, doutora em História Contemporânea pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professora adjunta do Departamento de Estudos Lusófonos da Université Jean Moulin Lyon 3, França. Natália Guerellus realizou esta tradução como parte da pesquisa financiada pelo programa Capes/Print Jovens Talentos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil, da qual foi bolsista. natalia.guerellus@univ-lyon3.fr

Texto original: Marcello Vitali-Rosati. Pour une théorie de l’éditorialisation.Humanités numériques, n. 1, 2020. Disponível em: http://journals.openedition.org/revuehn/371; DOI: https://doi.org/10.4000/revuehn.371.

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Notas

1     Considere-se, por exemplo, o trabalho de Bolter; Grusin (2000).

2     Para mencionar apenas algumas obras francesas neste campo, e que são relevantes para a abordagem aqui proposta, pode-se referir a Jeanneret (2004, 2007), Jeanneret; Souchier (2005), Merzeau (2014, 2013, 2009), Broudoux; Chartron; Chaudiron (2013), Zacklad (2012), Petit; Bouchardon (2017), Crozat et al. (2011), Treleani (2014).

3     Essa é a razão pela qual Milad Doueihi prefere o termo “humanismo digital” (Doueihi, 2011).

4     Para um histórico mais preciso, ver Vitali-Rosati (2016).

5     Esse texto apresenta os resultados de investigação realizada no âmbito das atividades da Cátedra de Investigação sobre a Escrita Digital do Canadá, financiada pelo SSHRC (http://ecrituresnumeriques.ca). O trabalho sobre o conceito de editorialização foi realizado no contexto do seminário internacional Écritures Numériques et Éditorialisation, que coorganizo desde 2008 com Nicolas Sauret. A definição do conceito de editorialização é resultado de uma reflexão coletiva, e me sinto em dívida com diversos investigadores. Em particular, gostaria de mencionar Gérard Wormser e a rede Sens Public, Nicolas Sauret, Yannick Maignien, Louise Merzeau, Michael Sinatra, Anne-Laure Brisac, Carole Dely e Roberto Gac.

6     Nesse sentido, apoio plenamente a tese de Le Deuff (2014) de que aquilo a que ele chama “humanidades digitais” deve ser inscrito em uma tradição que remonta a muito antes do fato digital.

7     Le Deuff (2014) localiza essa tradição nas manículas presentes nos manuscritos medievais – que seria o primeiro sinal gráfico de um pensamento de indexação. Na mesma linha, localizo-a nos esforços de catalogação do período helenístico. Claro que se pode sempre encontrar outros pontos de partida, dependendo dos elementos e características de continuidade que se deseja destacar.

8     Carta de Aristaeus, texto grego editado por H. St. J. Thackeray (1914), acesso on-line: http://www.attalus.org/greek/aristeas1.html.

9     Ver Antologia palatina, 4.1, on-line: http://anthologia.ecrituresnumeriques.ca/entities/2.

10     Esse é o argumento que permite a Canfora (2015) rejeitar a hipótese de um incêndio.

11     Manuel Zacklad (2012) utiliza esse termo em contraste com a organização do conhecimento. “Se a OC (organização do conhecimento) se refere à dimensão do conteúdo, da informação, a arquitetura do conhecimento refere-se à dimensão do suporte, da fisicalidade, da materialidade”.

12     Disponível em: http://encyclopedie.uchicago.edu/node/88.

13     Sobre o projeto de Paul Otlet, ver Wright (2014).

14     Bourguinat apud Melançon (2004, p. 149).

15     Enciclopédia, versão on-line disponível em: http://artflsrv02.uchicago.edu/philologic4/encyclopedie/navigate/4/3117/?byte=6504507.

16     Roberto Gac (2016) assinalou a existência dessas duas definições em um texto publicado em Sens Public.

17     Para mais detalhes sobre a relação entre o espaço digital e o não digital, ver Daniel Paul O’Donnell (2015).

18     No original: “My posthumanist account calls into question the givenness of the differential categories of human and nonhuman, examining the practices through which these differential boundaries are stabilized and destabilized”.

19     No original: “Posthumanism in my sense isn’t posthuman at all – in the sense of being “after” our embodiment has been transcended – but is only posthumanist, in the sense that it opposes the fantasies of disembodiment and autonomy, inherited from humanism itself”.

20     Para uma análise mais detalhada dessas características, ver Vitali-Rosati (2016).

21     O conceito de performatividade teve impacto teórico significativo nas últimas décadas. Desde o trabalho de Austin sobre atos de fala à aplicação da performatividade ao campo dos estudos de gênero, até aos estudos de performance no campo do teatro, as definições do conceito têm variado de acordo com o seu contexto. Por essa razão, é quase impossível dar uma definição consensual dos termos “desempenho” ou “performatividade”. Para efeitos do presente artigo, podemos limitar-nos a definir a performatividade como o aspecto normativo de cada ação.

22     Essa ideia poderia ser comparada à máxima de Lessig (2006) de que o código é lei. Mas a performatividade sobre a qual falamos é precisamente a tentativa de mostrar como o mundo é o resultado de uma dinâmica complexa em que não faz muito sentido separar o código de outras forças em jogo. O código, tal como o utilizador, é uma reflexão posterior sobre a dinâmica da editorialização. Não existe realmente como tal.

23     Esse aspecto foi salientado, por exemplo, por Louise Merzeau (2014b). A dimensão coletiva da editorialização também foi analisada por Roberto Gac no seu trabalho sobre intertexto (Gac, 2012). O meu trabalho deve muito a Roberto e às nossas discussões.

24     O meu livro Misguidance (Vitali-Rosati, 2014b) aborda esse tema e, em particular, a relação entre autodeterminação e heterodeterminação da identidade.

25     Esse é o risco que muitos pesquisadores apontam, incluindo Treleani (2016) ou Morozov (2012).



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